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Erro médico

21/09/2017 07:00

Forçada a fazer parto normal, jovem tem ânus dilacerado e hoje sofre sem controlar necessidades

A filha nasceu com o rosto machucado e ela carrega as cicatrizes na alma

Laura tinha o sonho de ser mãe. Jovem, aos 20 anos engravidou e tudo correu normalmente. Até que um parto normal forçado mudou sua vida para sempre. Aos 22 anos e com um processo ajuizado, ela finalmente resolveu falar. 

A filha está saudável, perfeita, mas ela, que teve o nome modificado nesta reportagem, carrega problemas que trazem constrangimento, pois durante o parto, Laura passou por uma laceração que atingiu seu ânus e sua vagina, não sendo possível hoje, controlar suas necessidades fisiológicas. 

O parto forçado aconteceu na maternidade das Moreninhas, e ela foi bem atendida, mas sem dilatação, começou a perceber que não seria possível o parto normal. 

“Fui para lá com meu esposo. O médico me examinou, falou que eu estava com apenas 2 dedos de dilatação e me mandou para casa. Pediu pra retornar quando as dores aumentassem. Voltei para casa, acabei retornando em horário de almoço com as dores piores. Fui examinada e estava com quatro centímetros de dilatação, quando o médico falou que eu ia ficar internada para ganhar minha bebê. Até aí foi uma alegria para mim, pois foi minha primeira filha”, narra sobre o dia do parto. 

Segundo a paciente, após ficar até as 16h esperando, um novo exame de toque mostrou que havia apenas mais “um dedo”.  “Quando o médico resolveu ir me ver, percebeu que só tinha dilatado cinco dedos e mais nada, foi aí que falou para a enfermeira colocar o soro para ajudar. Depois disso, ele retornou às 19h30, pois minha bolsa havia estourado, mas não estava ainda com dilatação suficiente para ganhar minha bebê, mas que estava quase lá”, conta como que revivendo o episódio. 

Sem dilatação e forçada a um parto normal, a filha nasceu a fórceps e ela sofreu e ainda sofre com a episiotomia feita. Segundo o processo apresentado por ela à Justiça, o procedimento de parto foi malsucedido, uma vez que foi efetuado episiotomia (um corte cirúrgico feito no períneo, que é a região entre a vagina e o ânus).

“O instrumento de fórceps causou machucados na minha bebê, que nasceu com o rosto bem ralado”, conta mostrando uma foto. 

Sem controle fisiológico

O quadro de Laura se transformou em um pesadelo. “Passei a sentir dores, inclusive a região do canal ficou aberta e saía fezes por lá. Quando voltei para fazer a retirada dos pontos, ela [a enfermeira] comunicou a situação, mas fui informada que aquilo era normal, se tratava de "resto de parto" e que logo iria desaparecer”. 

A situação piorou e, com o incômodo, Laura retornou ao hospital. Ela procurou o responsável pelo parto e, na ocasião, o médico José Oscar a encaminhou para atendimento com um proctologista. “Tive que fazer vários exames e pagar alguns deles, a situação só melhorou quando procurei a AVEM (Associação das Vítimas de Erros Médicos) e me ajudaram a conseguir alguns médicos”, afirma. 

Os exames realizados mostraram que não era “resto de parto” e sim uma fístula reto-vaginal e ela foi encaminhada para cirurgia. “Só em setembro eu consegui uma vaga no Hospital Universitário e, até então, eu não tinha controle de xixi e cocô, fiquei afastada do trabalho”, narra. Laura, segundo o laudo médico, foi submetida a uma cirurgia para correção de "laceração perineal de 3º grau", ou seja, uma cirurgia de plástica anal externa/esfincteroplastia anal. 

Ainda assim, depois da realização da cirurgia, a paciente continuou com dores e uma sequela no esfíncter, já que perdeu completamente o controle sobre a evacuação, o que a obrigava a usar absorvente íntimo constantemente para amenizar o constrangimento da incontinência fecal. 

Aparelho pode ajudar jovem a ter vida “normal”

Indignada e precisando de um aparelho que auxilia no fortalecimento do assoalho pélvico (eletrodo vaginal) para poder realizar as sessões, ela entrou na Justiça. 

“Ficou demonstrada a falha no serviço prestado pelo hospital à autora, uma vez que além da negligência e imperícia do médico e auxiliares na condução do parto “normal”, houve a incorreta utilização dos instrumentos, ausência de recomendação médica e a correta sutura da episiotomia, bem como não foram realizados exames antes da alta médica”, alertou o advogado Roberto Mendes da Silvano no processo judicial. 

Segundo a defesa da paciente, a forma como foi conduzido o parto “normal” de Laura não deixou marcas, não só no períneo, mas principalmente na sua psique, perpetuando o terrível imaginário sobre a prática do parto “normal”, além de resultar na lesão e dores que não tem perspectiva de cura, mesmo com a realização da cirurgia.

“Ocorre que, no Brasil, o parto “normal” é cheio de intervenções e procedimentos médicos que são uma verdadeira violência contra as mulheres. Na verdade, existem poucos médicos que verdadeiramente sabem deixar a mulher se conduzir a um parto natural, sem as intervenções, além disso, a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) é de restringir o uso da técnica de episiotomia”, alega. Para ele, diante dos fatos, ficou claro a negligência e imperícia do médico e auxiliares que atuam no Hospital da Mulher e Maternidade, no momento do parto realizado. 

O processo é movido contra o Município de Campo Grande, que é o mantenedor do local. 

Outro lado

Na defesa do médico, a Procuradoria Geral do Município tratou como fatalidade o caso e afirmou que “a aplicação do fórcipe mesmo bem aplicada e indicada não está isenta de toco traumatismo materno e fetal inda mais neste tipo de variedade de posição em que o médico tem que fazer muito mais força na tração”, explicaram na contestação. A alegação é que o aparelho vem rasgando toda a parede interior da vagina, daí o motivo da laceração da episiotomia, atingindo o esfíncter externo do ânus.

Segundo a Prefeitura, “não ocorreu desídia médica ou imprudência do profissional que atendeu a paciente e sim um procedimento para salvar a vida do bebê e da mãe". 

Publicidade

O processo está disponível no site do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul garantindo o princípio da publicidade, descrito no artigo 5º, inciso LX, que estabelece a possibilidade de restrição, mas não eliminação, à informação dos atos processuais que devem ser públicos. Segundo os termos jurídicos, este princípio trata de direito fundamental que visa permitir o controle da opinião pública sobre os serviços da justiça, máxime sobre o poder de que foi investido o juiz.

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