Em abril de 2016, na semana em que o impeachment da presidente Dilma Rousseff foi pautado para a votação na Câmara, a petista tentou uma cartada final. Chamou ao Palácio da Alvorada o presidente do PP, senador Ciro Nogueira, do Piauí, seu aliado, para uma negociação definitiva. Nas cordas, Dilma foi direta: “Posso contar com você?”. Nogueira não titubeou: “Pode contar comigo, mas não posso perder. Se for para ganhar, minha preferência é ficar com a senhora. Mas meu partido tem de ficar do lado vencedor. Se conseguir uma nota conjunta do PSD do Gilberto Kassab e do PR do Valdemar Costa Neto, eu assino”, respondeu.
O documento nunca foi produzido. Menos de 48 horas depois, o PP, enquanto consumava uma negociação com Michel Temer em que levou os ministérios da Saúde (orçamento de R$ 130,8 bilhões), Agricultura (R$ 11,4 bilhões) e a Caixa Econômica Federal (R$ 82,1 bilhões, apenas em crédito habitacional para 2018), abandonou o governo Dilma, onde comandava o Ministério da Integração Nacional (orçamento de R$ 6,6 bilhões). Sua bancada fechou questão a favor do afastamento da presidente. A movimentação do partido, que tinha então 45 deputados em exercício, quase 10% da Câmara, mudou o status do processo de impeachment de possibilidade para fato consumado. No final, o PP entregou 38 votos contra Dilma.
O episódio mostra o estilo ultrapragmático de Nogueira e de seu partido: eles nunca entram numa barganha para perder. Descendente direto da Arena, o PP, que deve mudar o nome em breve para “Progressistas”, entrou com tudo para vencer na janela partidária — como os políticos batizaram o período de 30 dias, previsto em lei, em que podem trocar de legenda sem correr o risco de perder o mandato por infidelidade partidária.
Ao final do troca-troca, encerrado na sexta-feira 6 de abril, o PP ficou entre os três maiores partidos da Câmara. Segundo as informações disponíveis até o fechamento desta edição, estava atrás do PT e disputava o 2º lugar com o MDB, desbancando partidos tradicionais como o PSDB. A legenda, segundo Nogueira, chegou a 54 deputados. Em 2015, na posse da atual legislatura, o partido tinha 38 deputados. O PP deixou assim o escalão dos partidos médios do Congresso. Nesse patamar, ele se acotovelava com PTB e PR na base do centrão — aquela massa amorfa de deputados disposta a apoiar qualquer governo em troca de cargos e acesso aos cofres públicos.
Especialista em operações de bastidores e normalmente avesso aos holofotes, Nogueira foi catapultado do baixo clero para o posto de um dos novos reis do Congresso. Para chegar a essa posição, ele e o PP aproveitaram bem os cargos que amealharam durante o governo Temer. No Ministério da Saúde, assumiu o tesoureiro do partido, o deputado paranaense Ricardo Barros. Na Caixa, o partido emplacou Gilberto Occhi, técnico que agora substitui Barros na Saúde e que já tinha sido ministro da Integração de Dilma. A legenda apadrinhou o senador Blairo Maggi, de Mato Grosso, para titular da Agricultura. No início do ano, com a debandada do PSDB da Esplanada dos Ministérios, o partido também filiou o deputado Alexandre Baldy, de Goiás, aliado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e conquistou a pasta das Cidades (orçamento de R$ 11,1 bilhões).
Com esse combo nas mãos, o PP passou a administrar programas como o Minha Casa Minha Vida, milhões de recursos para transferências aos municípios no Ministério da Saúde, além de convênios para programas sociais da Caixa Econômica — o banco público também é o responsável pela liberação de Emendas Parlamentares, outra importante moeda política. “O Ministério das Cidades define todas as políticas públicas e tem os recursos do Tesouro para toda a área de habitação, saneamento e mobilidade urbana. A Caixa Econômica cuida de toda a operacionalização desses programas sociais. Então 100% dessas ações no país estão embaixo das asas do PP. E essas são as maiores demandas de todos os 27 governadores e mais de 5 mil prefeitos do país. É muito poder”, disse um ex-ministro da pasta.
Na Saúde, medidas da gestão de Barros tornaram mais fácil o fluxo de recursos para os municípios dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). As transferências para os municípios tinham, até então, de ser enquadradas em uma de seis modalidades disponíveis. Agora, o dinheiro é repassado com apenas dois carimbos: custeio ou investimento. Assim, o prefeito na ponta tem mais facilidade e agilidade para usar os recursos. No Congresso, deputados dizem que com esse modelo ficou ainda mais fácil faturar politicamente o dinheiro que chega às bases. E quem é do partido do ministro geralmente tem mais facilidade de conseguir os recursos.
Outra ação vistosa da pasta são os mutirões de cirurgias. No ano passado, Barros conseguiu R$ 250 milhões extras para serem aplicados em cirurgias de alta e média complexidade dessa forma. Assim, a pasta começou a patrocinar mutirões Brasil afora. E os deputados do PP ganharam mais uma oportunidade de “mostrar serviço” a seus eleitores. “O Ciro dá aula de como tratar deputado. Sabe o que entregar a cada um”, disse um dos poucos deputados independentes do partido.
Outro fator de atração do PP é que a legenda terá R$ 132 milhões do fundo eleitoral e outros R$ 50 milhões do fundo partidário para gastar neste ano. O partido, além disso, vem economizando recursos desde 2014, quando o fim do financiamento privado já vinha sendo sinalizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Juntou de lá para cá um caixa extra de cerca de R$ 100 milhões, conquistado por meio de aplicações financeiras com os recursos do fundo partidário. As eleições de 2018 serão financiadas com recursos públicos. Na negociação de troca de partido, a promessa de quanto cada legenda ofereceu foi decisiva.
O teto de gastos para deputados será de R$ 2,5 milhões, e Nogueira sinalizou aos novatos que entraram no partido que vai dar a cada um deles um valor perto desse montante para a disputa da reeleição. Em conversas reservadas com outros parlamentares, deputados que se filiaram agora ao PP admitem que o farto dote para financiar suas campanhas pesou. O peemedebista Osmar Serraglio (PR) confidenciou a um deputado amigo que, sem recursos para a campanha no MDB, teve de se render ao PP de Ciro Nogueira. Procurado, Serraglio não respondeu a ÉPOCA.
DELAÇÕES
A ascensão política de Nogueira e do PP do ex-prefeito Paulo Maluf se deu a despeito das denúncias que cercam o senador e o partido — um dos campeões em integrantes investigados na Operação Lava Jato e com raízes fincadas no mensalão graças à ação de ex-caciques como José Janene, Pedro Corrêa e Mário Negromonte. Investigado pela Operação Lava Jato, o próprio Nogueira foi denunciado por organização criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro pela Procuradoria-Geral da República no inquérito conhecido como “quadrilhão do PP”. Na denúncia, reiterada no mês passado, a procuradora-geral, Raquel Dodge, destacou a ocupação de cargos públicos pelo partido como um mecanismo de corrupção.
“A denúncia está baseada em inúmeros e robustos elementos indicativos de que, desde 2004, os denunciados, na qualidade de membros do Partido Progressista (PP), agregaram-se ao núcleo político de uma grande organização criminosa estruturada para arrecadar, em proveito próprio e alheio, vantagens indevidas por meio da utilização de diversos órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta; tais como a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), a Caixa Econômica Federal, o Ministério das Cidades, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), entre outros. Para tanto, foram nomeadas, para cargos ou empregos públicos-chave, pessoas já de antemão comprometidas com a arrecadação de propina, as quais compuseram o núcleo administrativo da organização criminosa, fazendo a ponte com os empresários (núcleo econômico)”, afirmou Dodge.
Ciro Nogueira é mencionado também em diversas delações, inclusive nas mais famosas, as da Odebrecht e da JBS. Na denúncia do “quadrilhão do PP”, a PGR destacou a evolução fabulosa de doações oficiais da empreiteira que o partido recebeu sob o comando do senador piauiense. O volume saltou mais de 500%, de R$ 720 mil, em 2010, para R$ 4,4 milhões em 2014. No sistema da Odebrecht, o codinome dado a Nogueira era “Cerrado”. Em outra denúncia feita ao Supremo, o senador foi acusado de ter recebido R$ 2 milhões em propina da empreiteira UTC, de Ricardo Pessoa, sendo que parte dos pagamentos viria por escritórios de advocacia.
Em sua delação à Procuradoria-Geral da República, Joesley Batista, da JBS, disse que sua empresa pagou R$ 7 milhões ao PP pelo apoio à reeleição de Dilma em 2014 — uma decisão tomada quando o partido estava sob o comando de Nogueira, numa convenção tumultuada. Nogueira aprovou de forma simbólica o repasse da decisão sobre a coligação com o PT à Executiva do partido, encerrando a convenção em meio a protestos de boa parte dos filiados. Na Executiva, usou uma lista de presença antiga para aprovar a toque de caixa o desejo de seu grupo político. Um ano antes, ele chegara ao cargo de presidente do PP em substituição ao ex-senador Francisco Dornelles, que chegou a ser descrito pelo delator Paulo Roberto Costa como uma “rainha da Inglaterra na legenda”.
Com o apoio a Dilma, Nogueira esperava manter, ou ampliar, o espaço do PP no governo, que se resumia ao Ministério das Cidades. Eleita, porém, Dilma rebaixou o partido, entregando “apenas” a Integração Nacional, pasta que tem menos recursos e capilaridade. Somente nas negociações pré-impeachment, Dilma prometeu a Nogueira que entregaria ao PP uma pasta de maior peso — o Ministério da Saúde, mas já era tarde demais para ela.
Atualmente, o grupo do senador no PP tem na linha de frente o líder na Câmara, Arthur Lira (AL), e os ex-ministros Aguinaldo Ribeiro (PB), líder do governo Temer na Câmara, e Ricardo Barros. Eles construíram o caminho para dominar o partido após a morte de José Janene, em 2010, e o enfraquecimento de Pedro Corrêa pós-mensalão. Em 2012, conseguiram tirar o deputado paranaense Nelson Meurer da liderança da bancada da Câmara e, na sequência, o baiano Mário Negromonte da pasta das Cidades.
Na denúncia feita ao Supremo sobre o quadrilhão do PP, a Procuradoria-Geral da República narrou como foi a “transição” do pagamento de propina no partido, com a troca do doleiro Alberto Youssef, ligado a Janene e Pedro Corrêa, pelo operador Henry Hoyer de Carvalho. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa participou do episódio. “Nessa época, (Paulo Roberto Costa) reuniu-se com Henry Hoyer de Carvalho, na casa deste, e, com a participação de Arthur de Lira, Benedito de Lira, Ciro Nogueira e Eduardo da Fonte, deliberou sobre a situação dos pagamentos de propina para integrantes do PP e decidiu a respeito do estabelecimento de um novo modelo de repasse, que substituiria Alberto Youssef por Henry Hoyer de Carvalho. Tais parlamentares, ao serem ouvidos durante as investigações, confirmaram a reunião ocorrida entre eles, Paulo Roberto Costa e o novo operador, no Rio de Janeiro, no final do ano de 2011 ou início de 2012”, afirmou Raquel Dodge, ao reiterar a denúncia contra Nogueira e deputados do PP no mês passado.
O presidente do PP disse a ÉPOCA encarar as denúncias “da forma mais natural possível”. “Respeito e tento fortalecer as instituições para que a gente possa passar o país a limpo. Quem deve tem de pagar exemplarmente. Quem não for culpado tem de ser inocentado. Eu me orgulho de nunca ter nenhuma acusação na minha vida de ter recebido vantagem em troca de alguma coisa. Todas as acusações que recebi foram por causa de doação de campanha e todas serão esclarecidas o mais rapidamente possível”, afirmou.
JANTAR EM BRASÍLIA
Pelo poder acumulado, Nogueira poderia frequentar as altas rodas do Congresso, mas ele continua a ter um comportamento de parlamentar de baixo clero — tal qual quando ingressou na Câmara dos Deputados em 1995 pelo PFL, seu partido antes de migrar para o PP em 2004. Sua atuação legislativa é inexpressiva. Seus amigos mais próximos são parlamentares igualmente de pouca expressão, como o colega de Senado, Gladson Cameli (PP-AC), e os deputados Fernando Monteiro (PP-PE) e André Fufuca (PP-MA). “Diferentemente de outras lideranças, Ciro jamais quis ser ministro ou governador. Não quer ser protagonista, quer continuar agindo no bastidor. Não gosta de aparecer nem dar demonstração de poder, vive no baixo clero e corre de microfones”, disse o jornalista e consultor Mário Rosa, que Nogueira considera seu “mentor político”.
Nogueira e a mulher, a deputada Iracema Portella (PP-PI), descendem, porém, de uma linhagem de políticos importantes no Piauí. O pai do senador, Ciro Nogueira, foi deputado federal por quatro mandatos. A mulher é filha do ex-governador Lucídio Portella e sobrinha do ex-ministro da Justiça Petrônio Portella, um dos fiadores da abertura política durante a ditadura militar. O pai investiu na compra de terrenos em Teresina e deixou um patrimônio imobiliário gigantesco para o filho.
Além disso, a família do senador é dona de um grupo de concessionárias de carros e motos no Nordeste, imóveis de luxo, uma ilha no Delta do Parnaíba, de um jatinho e helicóptero. O helicóptero foi o último presente do pai, antes de ele morrer, há cerca de quatro anos. O jatinho King Air foi comprado em substituição a outro, que sofreu um acidente, há dois anos, ao pousar em Teresina. O avião está em nome de uma das empresas da família, com participação de 20% de Ciro e da mulher, Iracema, como pessoas físicas, para que eles possam usar na campanha eleitoral.
“Tenho uma condição financeira razoável, fruto do que meu pai construiu a vida inteira. A ilha no Delta do Parnaíba é da minha mulher. Mas não é uma ilha que se compare a uma ilha em Angra. Não é uma coisa barata, mas também não é nada exagerado”, disse a ÉPOCA. A discrição de Nogueira na cena pública contrasta com o agito da família. O senador, Iracema e as três filhas — Cynthia, Eliane e Maria Eduarda — vivem entre Teresina, Brasília, São Paulo e viagens a Nova York e Londres. Frequentadora assídua dos bailes de Carnaval da revista Vogue, que atraem os ricos e as socialites de São Paulo, a caçula, Duda, arrebata seguidores no Instagram com sua beleza e suas viagens a bordo de iates e em hotéis estrelados em lugares paradisíacos de Mykonos, Capri, St. Barth, Dubai e Bahamas ao lado do namorado, Matheus Farah, enteado de Guilherme Leal, um dos sócios da Natura e vice de Marina Silva em 2014. Nessas viagens, Duda sempre exibe looks compostos das grifes mais badaladas do mundo fashion. Abaixo de uma foto com o pai senador em Londres, no requisitado restaurante de comida cantonesa Hakkasan Mayfair, Duda escreveu: “Ma king”. Em família, Ciro é chamado de “nosso rei”.
O foco do PP não é a Presidência da República, mas ser no futuro um novo MDB. Ou seja, quer ter uma bancada coesa na Câmara para ter peso no próximo governo, seja ele de quem for: PSDB, PT, MDB ou até o PSL de Jair Bolsonaro. O militar da reserva, inclusive, passou 18 anos de sua vida política no PP. Bolsonaro deixou o partido em 2016, de forma acordada com Nogueira, após este lhe negar legenda para concorrer à Presidência.
Em 4 de abril, uma quarta-feira, Nogueira ofereceu um jantar em Brasília para comemorar as novas filiações dos deputados, em que o convidado de honra foi o presidente Michel Temer. Para o presidente do PP, o segredo do sucesso político do momento está em seu histórico de cumprir o que promete. Ele se autodefine da seguinte forma. “Sou um homem muito dedicado, muito focado, sempre com a ideia de que meu trabalho apareça mais do que eu. E principalmente, sou conhecido como uma pessoa que tem palavra. Honro tudo aquilo que combino”, afirmou.
Ele poderia acrescentar a essa receita uma disposição de sempre ganhar, como constatou Dilma, e um faro atilado para os rumos do poder. Ao mesmo tempo que corteja Temer, mantém um namoro firme com Rodrigo Maia, o presidente da Câmara dos Deputados, a quem anunciou apoio em sua pretensão de disputar o Palácio do Planalto, apesar de o político do DEM ter apenas 1% das intenções de voto. Nos bastidores, Maia já sinalizou que, se vier uma terceira denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Temer e houver uma nova votação na Câmara para afastar o presidente do cargo, o PP manterá seus cargos na máquina federal.