Em 1º setembro do ano passado, ninguém deu atenção a uma mensagem no Facebook que trazia uma ameaça ao então deputado Jair Bolsonaro. O autor escreveu que testaria “a valentia” do então candidato do PSL à Presidência da República quando os dois se encontrassem e que ele “merecia” levar um tiro na cabeça. Ninguém deu atenção à postagem porque ameaças assim quase sempre não passam de bravatas. Ninguém deu atenção porque o autor, um garçom desempregado, também costumava publicar em sua página na rede social textos desconexos e teorias conspiratórias absolutamente sem sentido. Parecia coisa de maluco. Cinco dias depois, no entanto, Adélio Bispo de Oliveira, o autor da mensagem, esfaqueou Bolsonaro em uma passeata em Juiz de Fora (MG). O agressor de fato era um desequilibrado mental, mas o atentado ensinou que ameaças não devem ser subestimadas, por mais improváveis que pareçam.
Há seis meses a Polícia Federal caça, ainda sem sucesso, os integrantes de um grupo terrorista que já praticou pelo menos três atentados a bomba em Brasília e anuncia como seu objetivo mais audacioso matar o presidente da República. Nas duas últimas semanas, VEJA entrevistou um dos líderes da Sociedade Secreta Silvestre (SSS), que se apresenta como braço brasileiro do Individualistas que Tendem ao Selvagem (ITS), uma organização internacional que se diz ecoextremista e é investigada por promover ataques a políticos e empresários em vários países. O terrorista identifica-se como “Anhangá”. Por orientação do grupo, o contato foi feito pela deep web, uma espécie de área clandestina da internet que, irrastreável, é utilizada como meio de comunicação por criminosos de várias modalidades.
Anhangá garante que o plano para matar Bolsonaro é real e começou a ser elaborado desde o instante em que o presidente foi eleito. Era para ter sido executado no dia da posse, mas o forte esquema de segurança montado pela polícia e pelo Exército acabou fazendo com que o grupo adiasse a ação. “Vistoriamos a área antes. Mas ainda estava imprevisível. Não tínhamos certeza de como funcionaria”, afirma o terrorista. Dias antes da posse, a SSS colocou uma bomba em frente a uma igreja católica distante 50 quilômetros do Palácio do Planalto. O artefato não explodiu por uma falha do detonador. No mesmo dia, a SSS postou um vídeo na internet reivindicando o ataque e revelando detalhes da bomba que só quem a construiu poderia conhecer. Nessa postagem, o grupo também anunciou que o próximo alvo seria o presidente eleito, o que levou as autoridades a sugerir o cancelamento do desfile em carro aberto. “Facilmente poderíamos nos misturar e executar este ataque, mas o risco era enorme (…) então seria suicida. Não queríamos isso.” Na ação seriam usados explosivos e armas. “A finalidade máxima seriam disparos contra Bolsonaro ou sua família, seus filhos, sua esposa.”
Depois disso, em abril, dois carros do Ibama foram incendiados em um posto do órgão em Brasília. Em meio aos escombros, encontraram-se palitos de fósforo, restos de fita adesiva e vestígios de um líquido inflamável. No local, havia pichações com ameaças de morte ao ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente. De novo, num vídeo postado na internet clandestina, o grupo assumiu a responsabilidade pelo atentado e exibiu o material utilizado durante o ataque, oferecendo provas de que era mesmo o autor do crime. De acordo com Anhangá, foi mais um aviso, dessa vez endereçado diretamente a Ricardo Salles. “Salles é um cínico, e não descansará em paz, quando menos esperar, mesmo que saia do ministério que ocupa, a vez dele chegará. (…) É um lobo cuidando de um galinheiro”, diz o extremista, que alerta para a existência de um terceiro alvo no governo: Damares Alves, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. “(Ela) se tornou a cristã branca evangelizadora que prega o progresso e condena toda a ancestralidade. O eco-extremismo é extremamente incompatível com o que prega o seu ministério”, diz.
Espécie de holding internacional dos chamados ecorradicais, o ITS foi fundado em 2011 no México e afirma ter representantes também na Argentina, Chile, Espanha e Grécia. A organização se diz contra tudo o que leva à devastação do meio ambiente e defende o uso de medidas extremas e atos violentos contra os inimigos da natureza (evidentemente tal discurso não tem coerência alguma). Em maio passado, os ecoterroristas do Chile assumiram a autoria de uma carta-bomba enviada a um empresário. Dois anos antes, em 2017, um artefato similar foi endereçado ao presidente de uma mineradora, que ficou ferido. No México, o ITS reivindicou a autoria de várias explosões em universidades. Uma delas resultou, em 2016, na morte de um pesquisador. No fim do ano passado, o grupo também se responsabilizou por uma bomba deixada próximo a uma igreja ortodoxa em Atenas.
Os terroristas brasileiros vêm sendo monitorados pelas autoridades há algum tempo. Um relatório elaborado pela diretoria de inteligência da PF intitulado “Informações sobre Sociedade Secreta Silvestre” descreve que, em 2017, uma bomba foi deixada na rodoviária de Brasília. O documento, obtido por VEJA, ressalta que a imprensa não noticiou o atentado, mas, mesmo assim, os detalhes foram divulgados num site do grupo chamado Sociedade Secreta Silvestre, traduzidos para diversos idiomas e assinados por uma pessoa identificada como “Anhangá”. Em dezembro, depois da ameaça ao presidente Bolsonaro, a Polícia Federal decidiu pôr no caso os melhores agentes da seção antiterrorismo. Os policiais já seguiram várias pistas. Três suspeitos chegaram a ser presos. Mas os integrantes do grupo ainda não foram identificados. Anhangá provoca: “(Eles) são incompetentes (…). Não somos meros amadores, dominamos técnicas de segurança, de engenharia, de comportamento social. (…) Discutimos internamente com membros de outros países”.
Assim como para outros grupos, a internet exerce um papel importante na organização e divulgação de ideias. Os comunicados e vídeos do grupo terrorista ITS são postados num site chamado Maldición Eco-extremista, traduzido para diversos idiomas. Foi por meio desse canal que VEJA solicitou uma entrevista com um integrante do ITS-Brasil. Um e-mail criptografado, de um servidor localizado na Suíça, indicou um endereço eletrônico para o qual deveriam ser enviadas as perguntas. Pouco tempo depois, Anhangá apareceu e disse que estava à disposição para esclarecer as dúvidas da reportagem. A partir daí, foi mandado um link de um chat privado, em que as mensagens eram destruídas após 24 horas. Nesse canal, foram feitas três entrevistas, reproduzidas ao longo destas páginas. Em fevereiro de 2019, a rede de televisão francesa TV5Monde utilizou o mesmo caminho para entrevistar o fundador do ITS, que se apresentou como “Xale”. A reportagem informava que o grupo tinha ramificação no Brasil.
O máximo que Anhangá (que quer dizer espírito que protege os animais, em tupi-guarani) revela sobre si é que é do sexo masculino, tem entre 20 e 30 anos, está em Brasília e é um radical defensor da natureza. Com as vidas humanas, já não demonstra a mesma preocupação. Segundo ele, o presidente é um “estúpido populista” que “falha com sua segurança” e anda “sem uma proteção adequada”, o que facilita o atentado. Quando isso pode acontecer? “Um ataque a Jair Bolsonaro será sempre uma possibilidade latente.” Por quê? “Bolsonaro e sua administração tem declarado guerra ao meio ambiente.” Já há alguma preparação? “Tentamos sempre adquirir explosivos e armas mais potentes.” Onde? “Estudamos semanalmente nossos alvos.” Pode ser tudo bravata? Até pode, mas as evidências que se tem até agora apontam para o sentido contrário. Num inquérito sigiloso obtido por VEJA, a própria PF destaca que o grupo continua praticando atos criminosos com “extrema gravidade” e mostrando “profusão de ideias violentas e extremistas, além de divulgar ameaças contra a vida do Bolsonaro”. Isso, por si só, já se enquadra em crime de terror.
As ameaças contra autoridades de Brasília não envolvem apenas o Executivo. Em março, por determinação do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), foi instaurado um inquérito para apurar a origem de ataques a magistrados nas redes sociais. Numa primeira fase, os investigadores identificaram pessoas que usavam a internet para difundir notícias falsas e pregar agressões contra os ministros. Foi o caso de um advogado alagoano que publicou uma mensagem em que falava da necessidade de “matar aquele débil mental do irmão mongol do ministro Toffoli”. O irmão do ministro é portador de síndrome de Down. Identificado, o advogado prestou depoimento e disse que tudo não passava de bravata.
Mas não foi apenas isso. VEJA apurou que o inquérito do STF também reuniu evidências de um plano real de ataque contra um ministro da Corte. Os investigadores descobriram que um grupo havia monitorado durante algum tempo a rotina de um dos magistrados, cujo nome é mantido em sigilo, e de sua família, que mora em São Paulo. O objetivo era definir o melhor lugar para uma emboscada, e o local escolhido foi o Aeroporto de Congonhas. Por questões de segurança, autoridades e políticos têm acesso a salas vip em aeroportos. A ideia dos criminosos era cercar o carro do ministro na saída do terminal e metralhá-lo. “Eles diziam que ‘iam abrir fogo’”, revela um magistrado que teve acesso à investigação, conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes.
Curiosamente, o plano foi discutido em um chat da deep web também frequentado pelos estudantes Guilherme Monteiro e Luiz Henrique de Castro. Para quem não lembra, em março esses dois rapazes invadiram uma escola em Suzano, no interior de São Paulo, executaram cinco alunos e duas funcionárias e depois se mataram. No chat, o grupo que planejava o ataque ao ministro do STF trocava informações com os assassinos da escola. Por orientação da Polícia Federal, os juízes mudaram sua rotina e ampliaram o esquema de segurança. “Esse caso é diferente dos que já encontramos. Não se trata de alguém fazendo um desagravo ou uma bravata pela internet. Eram dois grupos distintos tramando dois ataques. O primeiro aconteceu. Não era brincadeira”, diz o mesmo magistrado. Infelizmente, o terrorismo, que durante tanto tempo não figurou entre as preocupações brasileiras, agora precisa ser levado a sério. Que os responsáveis sejam presos e punidos — antes que cometam as tais atrocidades que prometem.