O deputado federal Loester Trutis (PSL), o Tio Trutis, como meio de apressar uma das principais promessas de campanha do presidente Jair Bolsonoro, colega de partido do parlamentar sul-mato-grossense, que é o de de facilitar a compra de arma e a documentação para usá-la, deu início a um forte movimento pelo projeto armamentista, que já tem sido conhecido como a segunda bancada da bala, no Congresso Nacional.
O assunto, revelado pelo próprio Trutis em reportagem publicada na edição do jornal Folha de S. Paulo, desta segunda-feira (4), disse que o setor da segurança “tem vários temas para tratar, todos de suma importância e isso podem prejudicar o andamento do projeto que prevê os temas armamentistas”.
Conforme a Folha, a Câmara dos Deputados já criou a bancada da bala, batizada de Frente Parlamentar da Segurança Pública, que reúne 300 deputados (58% da Casa). A segunda bancada, a preparada por Trutis, para o parlamentar, é para evitar que a efetivação do programa armamentista seja retardado ou esquecido.
CARNÍVORO
Tio Trutis, que se define nas redes sociais como “conservador, pró-armas, anticomunista e carnívoro”, afirmou ao jornal que até a semana passada tinha a assinatura de 174 deputados, número suficiente para criar a frente (4 senadores também a apoiam).
O deputado diz que a lista vai chegar a cerca de 220 e já marcou até data para a criação oficial do grupo: 19 de março, daqui duas semanas.
Questiona a reportagem: e por que mais esse grupo, se a bancada da bala “raiz” já tem o armamento da população como uma bandeira? Para Trutis, 36, empresário adepto do tiro esportivo e da caça, o tema é importante demais para ser um mero subitem da pauta da segurança pública.
“A segurança tem vários temas para tratar, todos de suma importância. Principalmente o pacote enviado pelo ministro Sergio Moro. Não vai sobrar tempo para discutir temas armamentistas”, diz ele.
A Folha afirma ainda que a primeira meta do deputado será baratear as armas e aumentar a qualidade do produto oferecido no Brasil, que, segundo ele, deixa muito a desejar. E, para isso, ele promete ir para cima do monopólio nacional representado pelas empresas Taurus e CBC, que, em 2014, tornaram-se uma só.
MONOPÓLIO
“Se você conversar com qualquer policial militar hoje e perguntar o que fazer para melhorar as condições de trabalho, ele vai falar: ter armamento de ponta. E isso só será possível se a gente quebrar o monopólio”, afirma.
Uma série de normas, desde regulamentações do Exército até a lei 12.598/12, estabelecem que a venda de armas e munição é prerrogativa de empresas nacionais. Abrir o mercado para importação de armamento e para que estrangeiras instalem fábricas no Brasil revolucionará o setor, diz ele.
Como mostrou a Folha em reportagem recente, empresas como a tcheca CZ, a austríaca Glock e a suíça Sig Sauer têm planos de vir ao Brasil, mas esbarram na burocracia.
Segundo o deputado, uma pistola nacional padrão custa cerca de R$ 4.500, valor que poderia cair à metade se o mercado fosse aberto às estrangeiras. A qualidade segundo ele, é baixa em razão de “má-fé” da Taurus, que vende nos EUA um produto superior.
“A CBC/Taurus fabrica arma de qualidade de exportação para os EUA. Porém, nenhum desses modelos internacionais eles colocam à disposição do Brasil. Acontece aquela velha prática: porque não há concorrência na licitação, o produto é de baixa qualidade”, acusa.
As armas brasileiras, segundo Trutis, têm índice de problemas 60 vezes maior do que o padrão internacional. “A arma trava, não solta o projétil na hora que precisa, tem também muito disparo não proposital. Temos casos de mortes no Brasil, de civis ou policiais, de arma que dispara sozinha quando o carro passa em cima de um buraco”.
SEM SENTIDO
Procurei a Taurus, que me enviou uma nota dizendo que a acusação do deputado “não faz sentido e é um grande equívoco”.
“A companhia produz cerca de 1 milhão de armas por ano. Destas, aproximadamente 10% são comercializadas no Brasil. Portanto, não seria razoável acreditar que para cada 10 armas, 9 são produzidas com qualidade superior e, mudando os critérios, uma é produzida com qualidade inferior. Isso não existe e não seria viável”, diz a nota.
A Taurus afirma ainda que seu processo produtivo é “robusto” e que a qualidade das armas é atestada em testes rigorosos em laboratórios do mundo todo.
Por fim, a empresa diz que a liberação dos importados ocorrerá quando o Congresso resolver a questão tributária e regulatória. Para as empresas brasileiras, 70% do preço da arma são impostos, o que não incide sobre as estrangeiras e pode criar uma concorrência desleal.
Mas brigar com a indústria de armas não é a única prioridade da nova frente. O parlamentar diz que o Parlamento tem de fazer a discussão sobre posse e porte, que não pode ficar apenas na mão do Executivo.
Em um dos primeiros atos de seu governo, Bolsonaro baixou um decreto tentando facilitar as regras para a posse de armas. Mas mudanças mais profundas precisam de nova legislação.
Uma alteração importante seria uniformizar os critérios para obtenção de arma, que atualmente são sujeitos à aprovação da Polícia Federal.
“Se você atingir os critérios da lei –maior de 25 anos, sem queixa de violência doméstica, não ter antecedentes criminais, ter aptidão física e psicológica e possuir curso de tiro e tiver emprego fixo–, tem que poder comprar. Hoje vai da interpretação do delegado da PF. Se ele não for com a tua cara, não dá [a posse]”.
DISCURSO
Talvez para tornar mais palatável o tema, a frente propõe também endurecer a lei para quem dispara uma arma “por motivo torpe”.
“Como diz a frase dos quadrinhos do Stan Lee: com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades. Se você usar essa arma numa briga de trânsito, tem que ser exemplarmente punido”, afirma ele, que defende a criação de uma nova tipificação criminal para casos assim.
O discurso do deputado Trutis é um pouco diferente dos argumentos típicos da bancada da bala, que defende o armamento “para matar bandido”.
Sua retórica é mais parecida com a da Segunda Emenda da Constituição americana, de que ter uma arma é um direito individual.
“Compra, posse e porte de arma têm a ver com liberdade de escolha”, diz ele.
Dar armas aos cidadãos, ele admite, não vai acabar com a violência. “Quando eu compro um casaco, eu não quero acabar com o inverno. Eu quero me proteger do frio. Quando eu compro uma arma, eu não quero acabar com a criminalidade. Eu quero deixar a minha integridade física e a da minha residência mais seguras”, diz.