Especialistas em advocacia que atuam no mercado sul-mato-grossense viram o “prende e solta” do ex-presidente Lula, ontem, domingo (8), como uma espécie de “desmoralização do desmoralizado”. Para eles, o juiz Sérgio Moro “exagerou” e o Judiciário brasileiro brincou de “esconde-esconde” com a liminar em questão.
Desembargador do TRF-4 (Tribunal Regional Federal) da 4ª Região - RS, de plantão, Rogério Fraveto, mandou soltar Lula, mas o juiz federal Sérgio Moro, de férias, descumpriu a decisão. Mais tarde, o presidente da corte federal, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, chamou para si a responsabilidade e desprezou a liminar de Fraveto ao decidir que Lula não deve sair do cárcere.
O TopMidiaNews ouviu André Borges, renomado constitucionalista, ex-juiz eleitoral; Leonardo Avelino Duarte, outro especialista na causa, ex-presidente da OAB de MS, e também Heraldo Vitta, doutor em Direito do Estado (Administrativo), juiz federal aposentado.
André Borges, assim se manifestou:
"Domingo é dia de descansar e recarregar energia para a semana seguinte, mas ontem [domingo, 8] todos fomos surpreendidos por péssimos exemplos, vindo de quem jamais poderia assim agir: membros do bom Judiciário Federal brasileiro. Liminar (que é uma ordem judicial) sempre precisa ser cumprida, pelo menos até que ela seja revogada pela mesma autoridade que a concedeu (reconsideração) ou por órgão hierarquicamente superior (tribunal, pela via recursal)”, sustentou André Borges, que completou:
“Sérgio Moro [juiz federal, em Curitiba] exagerou ao determinar o não cumprimento de uma ordem dada por desembargador, da mesma forma exagerou o desembargador que também determinou o não cumprimento da decisão de uma colega seu. Ainda que a liminar soltando Lula fosse errada (por qualquer motivo), ela tinha que ter sido cumprida, ainda que por poucas horas (até eventual cassação ou revogação). É assim que funciona o Judiciário, diariamente. Mas no final do dia tudo voltou aos trilhos: o Presidente do tribunal, a quem cabe examinar o pedido apresentado pelo MPF, suspendeu a decisão (veja bem: não determinou que a liminar fosse descumprida, o que é um absurdo, mas sim retirou eficácia de ordem judicial que lhe pareceu equivocada)”.
André fechou o assunto com essa opinião: “ficou o péssimo exemplo: é horrível ver juízes estimulando o descumprimento de ordens judiciais, por qualquer motivo (por mais nobre que seja). Todo e qualquer juiz deve atuar sem paixão, deixando a emoção de lado, que só atrapalha (é exatamente por isso que a deusa da justiça tem os olhos vendados)”.
Leonardo Avelino Duarte, disse ter visto o episódio “com tristeza”.
O ex-presidente da OAB-MS disse que “tecnicamente falando” não era o caso de deferimento do remédio heroico, no caso, o habeas corpus que determinaria a soltura de Lula.
Outro erro: para Duarte, o juiz [Sérgio Moro] não era mais parte da causa, estava de férias, e ainda apresentou uma consulta (que não existe, disse o ex-presidente da OAB) ao presidente do TRF acerca da soltura de Lula.
Ou seja, nem o desembargador devia mandar soltar Lula nem o juiz Sérgio Moro devia ter se intrometido na decisão. “Erro dos dois lados”, disse o advogado.
Leonardo Duarte, num diálogo simulado com certo amigo que mora do Cazaquistão, publicado em sua conta no Facebook, expressou o sentimento que sentiu ao saber da liminar que mandava soltar o ex-presidente Lula:
"Que bizarro. Não entendi nada. Plantonista decidindo politicamente, juiz descumprindo ordem de desembargador, polícia descumprindo ordem de Tribunal, juiz incompetente e de férias recorrendo de ofício de decisão de desembargador, presidente de Tribunal dizendo que a competência de decisões cautelares em ações distribuídas no plantão não é do plantonista, mas sim do relator, que bagunça, que desmoralização!", disse, "Então ninguém tem razão?", perguntei.
"Ninguém. É um deus-nos-acuda geral. É a desmoralização de algo já desmoralizado. Em algum lugar daqui, algum professor de direito processual penal teve ter infartado tentando explicar isso para os seus alunos".
Heraldo Vitta, o juiz federal também soltou críticas:
“A decisão proferida pelo Desembargador Federal da 4ª Região (RS), de forma isolada, em regime de plantão, a pretexto de que teria havido fato novo, que justificasse a soltura do ex-Presidente, foi equivocada. Na verdade, não houve fato inusitado, urgente, que pudesse macular a decisão do órgão colegiado do TRF, que determinou a prisão do ex-Presidente.
As normas do Conselho Nacional de Justiça são bastante claras a respeito do que pode ser decidido no regime de plantão; expressamente, vedam-se ao magistrado de plantão reconsiderações ou reexames de decisões já proferidas. Em face do princípio do juiz natural, reexames e pedidos de reconsideração devem ser dirigidos e examinados pelo órgão que prolatou a decisão - e não ao magistrado que se encontra no regime de plantão, o qual não detém competência para reformar, modificar, situação jurídica vista por outro órgão do Judiciário.
No caso em exame, a decisão de órgão colegiado - tribunal - reforça o sentido de segurança jurídica; a corte regional determinou a prisão do condenado, seguindo, inclusive, decisão de outro órgão colegiado do Judiciário - o Supremo Tribunal Federal. Um magistrado, no regime de plantão, não poderia contrariar, de qualquer modo, aquilo já decidido, exaustivamente, por tribunais. As decisões majoritárias (órgãos colegiados) prevalecem em face do entendimento de órgão singular (um magistrado).
As providências posteriores pelos órgãos do TRF, visando não atender a decisão do Desembargador Federal, quanto à liberação do preso, embora não sejam correntes, tiveram o objetivo de contender a situação crítica advinda de uma possível soltura do condenado, pessoa conhecida, afinal, um ex-Presidente, muito popular. Solto, dificilmente, voltaria à prisão; e se isso viesse a ocorrer, seria por um custo social elevadíssimo, por conta das manifestações de populares que o apoiam, e das lideranças políticas ávidas pela candidatura dele à Presidência da República.
Houve um 'jogo de esconde-esconde', com visível repercussão negativa na imagem já sofrida do Judiciário.