Entrevistas

06/03/2017 16:12

'Modelo de política que temos hoje não serve para a população', diz Ricardo Ayache

Presidente da Cassems fala sobre gestão em saúde, aprendizado em eleição e, claro, se sai ou não candidato em 2018

06/03/2017 às 16:12 | Atualizado Liziane Berrocal
André de Abreu

Os números impressionam, e em apenas 16 anos o sistema de gestão da Cassems (Caixa de Assistência aos Servidores de Mato Grosso do Sul), o plano já é exemplo no Brasil. No ano passado, um dos grandes planos foi finalmente entregue, quando o Hospital da Cassems foi inaugurado em outubro. Sempre que fala de Cassems, por trás está um nome que já foi e ainda é um destaque político. 

Com 22 anos ele se formou em medicina na UFMS. Aos 46, o médico cardiologista Ricardo Ayache, antes vinha com o nome acompanhado de uma sigla partidária, porém, agora, prefere ser o gestor que colocou em funcionamento uma megaestrutura hospitalar para atender aos servidores do Estado. 

Apesar de tentar fugir do assunto política, Ayache sabe que não é possível, já que em 2014 foi candidato ao Senado Federal ao lado de Delcídio do Amaral, e foi considerado uma revelação política, já que aparecia atrás nas pesquisas, e ao final da eleição, apesar de não ter ganhado, saiu vitorioso. A explicação é que ele ultrapassou Alcides Bernal, adversário que estava no auge. Simone Tebet levou a vaga, e Ayache ficou com o nome considerado uma promessa política. 

No entanto, ainda será meio “difícil” convence-lo a sair candidato assim, do nada. “Nesse modelo que está aí hoje? Não dá”, avisa ele que mesmo cotado para disputar a prefeitura da Capital no ano passado, preferiu deixar tudo de lado e se dedicar aquilo que considera um grande feito. “A inauguração do hospital, um projeto importante, era o principal naquele momento, eu teria que me afastar”, justifica. 

Dr. Ricardo, como é conhecido na Cassems, está sempre ligado e quando chega, não é incomum ver servidores parando ele pelos corredores, seja para parabenizar ou mesmo cobrar os serviços do plano. “E isso nos deixa preocupado, porque temos que ser excelência”, garante ele, que está sempre em busca de se superar. 

Confira a entrevista concedida ao TopMídiaNews, leia ou veja no vídeo abaixo:

Vamos começar falando de Cassems. O que você pode falar desses 16 anos?

A Cassems é um modelo inédito no país, um modelo único e um caso de sucesso em Mato Grosso do Sul, isso é importante ser destacado, hoje segundo a revista exame, estamos destacados entre as maiores empresas do Centro Oeste, e o mais importante é que é uma gestão local, profissionalizada, voltada para a saúde que é uma área espinhosa da gestão, num modelo complexo que é gerenciar saúde no Brasil, e que realmente a gente tem conseguido ocupar um lugar no cenário nacional e isso é muito importante para todos nós e para quem gerencia a Cassems. 

Em tempos de crise econômica, cada vez mais a doença ficando mais cara, nesse caso a saúde ficaria mais barata se fosse tratada com prevenção?

Não há dúvidas. Esse é um dos grandes problemas e desafio que qualquer gestor de saúde enfrenta. Nós temos hoje um modelo muito voltado para cuidar das doenças aguda. Do pronto-socorro, do hospital, para cuidar das subespecialidades médicas, num modelo de self service onde o próprio paciente escolhe em qual profissional vai. Dei o exemplo de uma simples dor de cabeça, que o paciente pode ir num neuro, num cardiologista, num oftalmologista, um psiquiatra e às vezes o problema é de uma simples arcada dentária, então é um modelo mundialmente implantado que vem aí de mais de um século e que precisa passar por uma transformação. Porque simplesmente investir num modelo em que haja um maior número de clínicos, de médicos generalistas, promoção a saúde, é um modelo com um melhor custo benefício e é muito mais efetivo para o paciente. Eu diria ainda que para cada real investido em prevenção em promoção a saúde, nós economizamos R$ 4 a R$ 5 de cuidados com doenças. Então isso é algo muito importante que precisa e que já vem de uma transformação lá na formação médica, que os currículos das faculdades tem passado por uma transformação, mas com certeza o impacto disso levará ainda algumas décadas para alcançar o efeito desejado. 

Até para melhorar o acesso da população a saúde?

Com certeza, teremos aí um acesso mais racional a saúde, mais equilibrado, com um custo mais sustentável para todo o sistema de saúde, seja ele público ou privado. 

Mas um plano de saúde é muito caro. Ou estoura o orçamento. Como convencer que um plano é essencial, para continuar a gestão sustentável que a Cassems tem?

É claro que fazemos uma auto-gestão, nós servidores criamos e gerenciamos e conseguimos atender aproximadamente 205 mil servidores no Estado, que são os nossos servidores, mais os nossos familiares. É importante ter um plano de saúde? Para esse segmento hoje é importante, para quem deseja ter um atendimento para aquele que deseja ter um atendimento um pouco diferente do que é oferecido pela rede pública. Mas apesar de gerenciar um plano de saúde, eu acredito muito e sou um defensor do SUS e tenho a convicção que se houve a prioridade na Saúde, na gestão em saúde pública, mais profissionalizada, voltada para melhorar a assistência da população, com certeza nós vamos melhorar a eficiência do SUS e é o que eu particularmente eu acredito. 

Mas existe uma reclamação em demasia em relação ao SUS, mas me parece então que quando o “bicho pega”, nem vou falar de concorrência, porque a Santa Casa não é concorrente de ninguém, mas para citar, é o SUS que atende na complexidade?

Não há duvida, até porque os casos graves, de alta complexidade, o SUS atende. A maior dificuldade hoje é para cirurgias eletivas, para exames para consultas com especialistas. Se bem gerenciado, se houver um aporte de recursos mais coerente com as necessidades eu acredito que a saúde pública possa evoluir muito. E atende, mas claro que tem grandes problemas, que podem ser minimizados. 

Mas problemas até o plano tem?

Claro que tem, todo mundo tem. Quem não vai ter problemas hoje na gestão de saúde? É um sistema muito complexo, e nós temos hoje um sistema de saúde voltando para especialistas, com poucos especialistas em algumas horas. Vai para o interior do Estado onde quase não tem médico, é um problema sério de saúde no interior. Por isso construímos vários hospitais e centros médicos, para regionalizar o atendimento. Mas acha que resolve isso do dia para noite? Não, saúde exige uma atenção constante e com certeza, o problema que você resolve hoje, ele estará diferente amanhã. É preciso estar sempre atento com o gerenciamento, para que os problemas sejam minimizados. 

Mas aí as pessoas confundem muito a questão de políticas públicas de saúde com política partidária. Como que você, tendo sua vida política, mais a questão médica, conseguiu juntar tudo isso para não ‘apanhar’ tanto?

Eu vejo assim, a vida ela é construída a cada dia, minha vida profissional não começou hoje, começou no banco da escola, na faculdade, nas pós graduação, no meu consultório onde eu atuo ainda, passa por tudo isso, é uma construção de vida, e você tem que manter uma coerência e eu procuro manter tudo isso, como médico, como gestor e quando eu resolvi então participar de uma disputa de um cargo eletivo. Isso passa pela forma que você se relaciona com as pessoas, com a sinceridade, pela ética no trato com os interlocutores, com isso a gente consegue ser um alvo menor de críticas, mas ninguém fica imune. Claro que ninguém é unanimidade, mas o principal objetivo que eu tenho enquanto gestor, desde quando nós começamos lá no Previsul e hoje na presidência da Cassems. 

Essa experiência não te faz ter um olhar muito crítico?

Com certeza. O que é importante? É priorizar a maioria das pessoas. Então toda ação que nós tomamos enquanto gestão e profissional de saúde, tem que ter o objetivo de atender a maioria, e quando você faz isso, você erra menos, a gente acerta mais. E analisando criticamente tudo que fizemos até hoje, eu vejo que mais acertamos do que erramos, temos um alto índice de aprovação perante os servidores públicos. Eu sou extremamente crítico e perfeccionista. Na inauguração do hospital, perguntaram se eu estou orgulhoso e eu disse que estou preocupado, porque a inauguração do hospital abre as portas para uma enormidade de responsabilidades que é atender bem, conseguir bons resultados. 

O fato de você ser uma pessoa pública, as reclamações chegam muito mais em você do que se você fosse um diretor mais resguardado?

Ah, claro! A medida que a gente se expõe mais a gente está mais na vitrine, e vem um número maior de reclamações. Mas eu acho importante, eu prefiro que as pessoas reclamem para mim, porque quando elas reclamam, se houver procedência. Porque, nós também estamos vivendo um momento que as pessoas acham que elas tem conhecimento sobre tudo, que a verdade delas é absoluta, um momento complicado.Eu prefiro quando vem me abordar para oferecer uma crítica, do que aqueles por vezes fazem elogios fáceis, e que muitas vezes nos cegam da realidade, porque tem as pessoas que gostam de bajular. 

As mídias sociais, elas tem um papel importante na sociedade, mas elas produziram também algumas pessoas que acreditam que sabem tudo, sobre tudo. Às vezes, a pessoa nem procura ter conhecimento para subsidiar aquela opinião que ela vai emitir, então quando a crítica procede, quando ela tem consistência, quando ela é construtiva, a gente tem que receber e procurar melhorar. 

Bom, pegando esse gancho, eu vou ter que falar de política. Você teve uma experiência política de candidatura, foi uma revelação. Dizem que você não foi pelo lado certo, até porque o candidato perdeu e depois foi preso (Delcídio Amaral). O que você aprendeu com tudo isso?

É um grande aprendizado para mim, essa questão do que é certo e errado é muito mais complexa. Eu vejo como alto extremamente positivo a participação que eu tive naquele momento, com todos os problemas que surgiram depois. Passei a enxergar de forma mais crítica como é que se passa a política, como é que acontece, até para ter uma visão muito crítica e responsável do que eu quero para o futuro. Então você vê que eu estou mais reservado, estou quieto e não estou discutindo política, até porque eu passei 46 anos construindo uma história, que boa ou não é minha história de vida, que é muito mais positiva do que negativa. Então, eu tenho responsabilidade com isso, com as pessoas que confiam em mim, com a minha família, para dizer inclusive que esse modelo de política que está aí, não me serve!

Mas isso é uma crítica, forte...

Não serve para a população, que está extremamente insatisfeita. É um modelo de escândalos em cima de escândalos,  que está totalmente falido, passamos por um momento de transição e as transições são difíceis, a classe política que está aí dominando é a mesma que começou lá na redemocratização do País, a mesma geração de políticos, uma geração de 30 anos, essa turma que está aí ainda, tentando se segurar. Cá par nós? O que se passa hoje em Brasília, é um abraço de afogados, eles estão fazendo um monte de coisas para tentar se segurar num sistema que ruiu. A Lava Jato é uma evidência clara que esse sistema político de financiamento privado ruiu. Olha só o que acontece a nível federal, estadual e municipal. É uma loucura, você olha para o lado e pergunta o que está acontecendo. Esse sistema político não serve, do toma-lá-dá-cá, do assistencialismo sem consciência, programas demagógicos, a troca de favores, esse modelo não dá mais. É um modelo onde o mocinho de hoje é o bandido de amanhã. Ou a política muda de conceito, colocando a população como objetivo. 


Mas você desistiu de se candidatar?

Mas vou dizer já. A vida pública só tem sentido se tiver como objetivo você mudar a vida das pessoas. Senão, para quê? Você se expõe mais, essa história de que político trabalha pouco não é verdade, uma campanha política é uma máquina de triturar, então para se colocar a disposição da vida pública, ainda mais em tempo de mídias sociais, só se você tiver como princípio maior transformar a vida das pessoas, aí você tem uma recompensa. 

E sai candidato?

Agora, se for só candidatura, só por candidatura... Eu estou fora. Se a gente perceber que há uma mudança, cultural onde a gestão seja mais valorizada, onde o conceito de gestão de procurar melhorar a vida das pessoas seja realmente melhorar a vida das pessoas, então, falar em candidatura nesse momento de tanta ebulição. Dorme de um jeito acorda de outro, a política está assim. Então, agora estamos num processo de recessão, desemprego, crises em diversos estados, vamos continuar falando de eleição? Ninguém está falando de política para o cidadão. 

Não vai me responder se vai ser candidato?

Não, eu volto a dizer, não dá para ser candidato porque eu desejo ser candidato, porque é uma coisa pessoal minha. Se for assim, eu não sou candidato. Eu não entendo a política desse jeito. Antes da eleição para prefeito estavam discutindo eleições de 2018, acabou a eleição e todo mundo reclamando que não tem dinheiro para administrar. Acabou a eleição e já estão discutindo quem são os candidatos? Cá para nós, e a população que está pagando essa história, saúde, educação, segurança com problemas? É isso que a população quer? Você está vendo alguém discutir políticas públicas? Nós estamos em 2017 comemorando tapa-buracos.

Hoje, se a eleição fosse hoje? Você seria candidato?

Nesse modelo que está aí hoje, hoje, hoje, hoje. Eu não seria candidato. Se perceber uma mudança, que há um interesse coletivo por projetos que visam melhorar nosso Estado, aí eu estou pronto, mas se for só para disputar cargo, para quê? Nesse modelo não dá.