Campo Grande

09/10/2023 16:24

Acadêmica de Pedagogia denuncia racismo em evento na UFMS

Cleide Salles foi impedida de participar coffee break na instituição; grupo teria realizado cordão de isolamento

09/10/2023 às 16:24 | Atualizado 09/10/2023 às 17:39 Marina Miranda
Repórter Top

A acadêmica do curso de Pedagogia da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Cleide Salles, denunciou suposto caso de racismo, que ocorreu na última quinta-feira (5), ao Ministério Público. Ela relata que foi isolada com um cordão durante o Encontro Internacional da Zicosur (Zona de Integração Centro-Oeste Sul-Americana) para que não pudesse se aproximar do coffee break (lanche).  

O fato ocorreu nas dependências da Agead (Agência de Educação Digital e à Distância), prédio onde ocorrem as aulas de Pedagogia. Ela diz que foi abordada por quatro pessoas brancas, que afirmaram fazer parte da Reitoria da Universidade, e disseram que aquele “não era o lugar da acadêmica” – negra com tranças afro.

Segundo ela, o grupo tentou impedi-lá de participar do coffee break, inclusive com a formação de um cordão de isolamento composto por algumas mulheres, enquanto outra tentou retirá-la do espaço por meio de violência física.

Cleide não se intimidou e resolveu manifestar-se no dia seguinte, sexta-feira (6), com cartaz denunciando racismo na frente do auditório. Ela alega que foi novamente assediada e impedida de manter o protesto. A manifestação da acadêmica teve apoio de outros grupos de estudantes, que também solidarizaram-se com ela. 

A acadêmica destaca que tem se mobilizado para identificar as pessoas envolvidas e o pró-reitor de Assistência Estudantil está acompanhando o ocorrido, sendo que já identificou algumas pessoas envolvidas.

A coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFMS, Eugenia Portela de Siqueira Marques, afirmou que, por ser negra, também sabe o quanto é difícil enfrentar essas situações. "Por enquanto a instituição ainda não se manifestou. Mas, sei o quanto ela foi forte, pois fez o cartaz e começou sozinha o movimento de denúncia na sexta-feira". 

"Como não é uma pessoa inexperiente na luta antirracista, reagiu, mas a gente sabe o quanto isso dói. Por isso, ela fez de denúncia na ouvidoria e irá fazer o registro do boletim de ocorrência", explicou a coordenadora.

O Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (NEAB), Seção Sindical dos Docentes da UFMS (Adufms) e a Associação Nacional da Advocacia Negra (ANAN) estão acompanhando o caso. 

Segundo a coordenadora, no mês de março, a comunidade sofreu com a publicação de propaganda racista e homofóbica da Agência de Comunicação Social e Científica. "Logo, em seguida, foi criada uma comissão para discutir as ações de combate ao racismo, mas não tem nada efetivado. Eu fiz parte e outros professores também, contudo não tem continuidade. Quando acontece um fato de racismo e há denúncias, retomam os debates, mas depois ignoram. Isso chama-se racismo institucional". 

"Já comunicamos ao Ministério Público e vamos solicitar uma reunião na próxima semana para conversar com a reitoria da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul", finalizou a professora Eugenia.

Em nota, a instituição informou que a Corregedoria da UFMS vai apurar a situação. "A estudante deverá formalizar a denúncia na plataforma Fala.br. A UFMS é contra qualquer tipo de discriminação e zela pelo respeito à pessoa, ao patrimônio e à Instituição, garantindo o ambiente harmônico e plural".

Já o NEAB emitiu uma nota de solidariedade sobre o caso.

Confira: 

"Consideramos que seja urgente a adoção de medidas específicas de coibição ao racismo na instituição, pois temos denunciados outros fatos que já ocorreram e, infelizmente, pouca ação foi efetivada, até o momento. A incidência dos conflitos raciais que assolam nossa população e impedem o reconhecimento da pessoa humana em detrimento de sua cor, raça ou pertencimento social não pode mais ser tolerada. Considerando que esse fato é reincidente, o NEAB foi procurado pelo Ministério Público e relatou os fatos, solicitando que o caso seja acompanhado.

O NEAB contatou a acadêmica e colocou-se à disposição para tudo que for necessário, pois ela está abalada com o que ocorreu e que infelizmente, até o momento não teve nenhum apoio institucional.

O crime de racismo é um crime hediondo, sendo assim inafiançável e imprescritível. A Lei 7.716/1989 estabelece reclusão de dois a cinco anos, além de multa, para quem o pratica. Já a Lei 4.532/2023 equipara o crime de injúria racial ao de racismo, passando à mesma pena e impossibilidade de fiança e prescrição.

NÓS, do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da UFMS e os demais participantes deste manifesto, militantes, professores e professoras, ativistas, membros e membras do serviço público, membros e membras do poder público, encaramos esse fato com total indignação e repúdio, e nos posicionamos em apoio a Cleide Salles de que o crime de RACISMO seja devidamente apurado, escurecido e que sejam tomadas todas as providências.

Consideramos que, seja urgente apresentarmos o esforço de nosso comprometimento sobre a incidência dos conflitos raciais que assolam nossa população e impedem o reconhecimento da pessoa humana em detrimento de sua cor, raça ou pertencimento social", diz a nota.