30/08/2023 16:14
Top Literário: releitura de Ilíada, 'A canção de Aquiles' foca no romance entre Pátroclo e o herói
Livro traz novo olhar sobre clássico, mas cai em armadilhas de romances exagerados das histórias infantojuvenis
Acreditar em deuses vaidosos, entrelaçados nos assuntos humanos e tomando partido nas contendas mais triviais é fácil. Já me convencer que Aquiles era estritamente heterossexual não dá. Com essa perspectiva desafiadora, mergulhei em 'A Canção de Aquiles', uma reinterpretação explicitamente gay da 'Ilíada', do poeta grego Homero.
Utilizo o termo "explicitamente", pois a relação homoafetiva entre Aquiles e Pátroclo é sugerida nos textos originais e apontada por diversos estudiosos. Vale destacar que a visão da Grécia Antiga sobre as relações entre homens diverge consideravelmente da concepção contemporânea na sociedade ocidental.
Em entrevistas a jornais estadunidenses, a autora Madeline Miller compartilhou sua paixão de infância pela história e a motivação de explorar os aspectos românticos entre os jovens heróis míticos. Ela também expressou sua frustração com um ex-namorado, que considerou o livro uma "fanfic" simplista. Lamento, mas concordo com essa observação irônica, pra não dizer jocosa.
Independentemente da minha apreciação pessoal, o livro alcançou grande popularidade entre os jovens, a ponto de eu hesitar em oferecer uma crítica negativa. No entanto, não posso elogiar algo que li quase que por obrigação, arrastando-me pelas páginas apenas para não abandonar o livro. Talvez essa seja uma reação geracional, visto que já fui uma adolescente que admirava a saga 'Crepúsculo', embora minhas opiniões tenham mudado desde então.
A realidade é que, independentemente da orientação sexual dos personagens, o desenvolvimento do romance carece de naturalidade. Pátroclo passa a vida venerando Aquiles, com descrições incessantes de suas pernas torneadas que me deixaram desinteressada, até enjoada. Ele mal parece um príncipe, apesar de ser um exilado de sua terra natal devido ao assassinato de outra criança.
A passagem do tempo também é tratada de forma pouco orgânica. Os protagonistas, antes de se tornarem um casal, compartilham um período de estudo com o sábio centauro Quíron. Contudo, parece que pouco aprendem durante esse tempo. A infância dedicada à preparação para a vida como guerreiros é reduzida a banhos de rio e devaneios acerca da beleza transcendente de Aquiles.
Finalmente, quando a guerra enfim se desenrola, o ritmo da narrativa melhora, embora as descrições das batalhas careçam de profundidade. Reescrever o que já está firmado historicamente parece ser mais fácil para a autora, que se aprofundou exaustivamente na pesquisa do tema. Nesse ponto, temos uma compreensão mais clara do tratamento das mulheres e das complexidades dos interesses envolvidos no cerco interminável à Troia.
Elementos cristãos parecem surgir a cada momento. O fato de várias personagens, especialmente a mãe de Aquiles, reprovarem o relacionamento gay, soa deslocado. Infelizmente, ao pesquisar, descobri que a mentalidade grega antiga não era tão progressista quanto eu imaginava. Nesse ponto, embora isso me cause desconforto, não me sinto apta a contestar Madeline, professora universitária norte-americana especialista no assunto.
O livro serve como entretenimento? Sem dúvida. Ademais, pode ser uma fonte de deleite para jovens LGBTQIA+ em busca de representatividade literária. Ainda que escassas, há descrições íntimas do casal, e achei particularmente tocante a perspectiva sobre a descoberta da intimidade entre dois homens - um tema que, até então, eu nunca havia parado para refletir.
Em última análise, considero o livro merecedor de três estrelas. Não foi uma experiência desagradável, mas tampouco integra minha lista de recomendações literárias. A obra traz novo olhar sobre um clássico, mas cai em armadilhas de romances exagerados das histórias infantojuvenis.