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27/08/2023 12:29

Crenças populares e tecnologia se juntam em jogo de cartas criado por jornalista de MS

Paixão pelo folclore rendeu, ao profissional, consultoria para série da Netflix por meio de coletivo

27/08/2023 às 12:29 | Atualizado 27/08/2023 às 13:51 Méri Oliveira
Jogo de cartas é resultado de vários anos de muita pesquisa - Reprodução YouTube

Na última terça-feira (22) comemoramos o Dia do Folclore no Brasil e, ao pensarmos na data, imediatamente, nos vêm à cabeça personagens como a Mula Sem Cabeça, Saci, Mãe D'Água, Pé de Garrafa, entre outros. Mas o que envolve a cultura popular vai muito além de personagens e histórias, mitos e lendas, como vai nos mostrar o jornalista e pesquisador do folclore, Andriolli Costa, que está prestes a lançar um jogo de cartas baseado no tema.

"Minha relação com folclore começa como começa a de todo mundo: desde o nascimento. Na verdade, antes disso, afinal, quando minha mãe ainda estava grávida, minha vó fez com ela a simpatia do garfo e da faca – que era o chá de revelação da cultura popular. Então, na barriga da minha mãe, minha vida já era atravessada pelo folclore, que nada mais é do que 'folk-lore', o saber do povo", começa Andriolli, que hoje mora no Rio de Janeiro.

O jornalista explica, ainda, que foi visitando a chácara onde os avós moram, na zona rural de Terenos, que ele encontrou um terreno vasto para a imaginação e a fantasia. 

"Lá é onde eu descubro que os sacis acompanham minha família há gerações, onde o canto dos pássaros se mistura com o assobio das visagens, onde não há males que a mistura certa de erva com azeite doce não cure", relembra.

E, o que poderia ter passado batido em relação às histórias e crenças dos avós, e ficado na infância ou, no máximo, na adolescência, acabou acompanhando Costa até a vida adulta e, ainda, ganhando forma, consistência e importância ao longo dos anos. 

"Com todos esses saberes presentes em minha vida, é na graduação que percebo que nem todo mundo teve o privilégio de ter um avô como o vô Oliveira e uma avó como a Vó Marlene. Foi assim que comecei esse estudo, ainda em 2008, que virou meu TCC, depois se desdobrou em mestrado, e ai não parou mais." 

Colecionador de Sacis

"Em 2015 criei o 'Colecionador de Sacis', meu site que se tornou projeto artístico, e foi um marco de quando meu trabalho deixa de ser apenas pesquisa e se torna também divulgação", conta Andriolli, sobre a importância que seu trabalho assumiu em sua vida. 

Assim, é claro, um trabalho importante culminou em ações importantes que podem ter reflexos em outras vidas. "Com o 'Colecionador', fiz contação de histórias em escola; formação de professores e mediadores de leitura; mostra de filmes de saci; curadoria de exposição; consultoria de obras e muito mais. O projeto mais recente é o cardgame".

Cardgame

A criação veio após observação de outros jogos de cartas brasileiros. "O cardgame foi desdobramento do meu projeto de pós-doutorado na Universidade do Estado da Bahia. Nele, analisei jogos de cartas brasileiros inspirados em folclore e, percebendo suas potências e ausências, propus, eu mesmo, um jogo." 

Com a pesquisa concluída, outra etapa - que buscava contemplar ilustradores de todo o país - começou: "Quando o projeto de pesquisa terminou, busquei artistas, pelo Brasil, que tivessem interesse em fazer com que a ideia sonhada se concretizasse. Assim surge o jogo com 55 cartas, produzidas por 27 ilustradores diferentes de todas as regiões do país. Em Mato Grosso do Sul, o artista convidado é Augusto Figgliagi." 

Trabalho envolveu ilustradores de todo o país (Foto: Arquivo pessoal)

E é aqui que a cultura, a crença popular ganha espaço em meio à tecnologia: "O grande destaque do jogo, além das lindas artes, é a pesquisa. Cada carta possui um QR Code no canto inferior da carta, que levará para um site com um relatório sobre a manifestação. Isso permite que o jogo sirva de fonte de informação, expandindo seus usos também para sala de aula."

Como podemos ver, o trabalho de Andriolli não só pode, como, com certeza, vai alcançar os mais jovens. 

Recursos 

Assim como vários projetos que vemos, o trabalho de Costa esbarrou um pouco na parte financeira para que pudesse ter sequência e ser concluído. 

"A maior dificuldade foi viabilizar o financiamento de um projeto tão extenso. Ele só foi possível pois aprovamos a versão digital do jogo no edital do Proac 2022. Foi essa verba que permitiu que eu pagasse a mim, aos artistas e aos desenvolvedores do aplicativo" , conta.

Feita a parte digital, faltava a parte física, que ainda é, para muitos, muito relevante e importante, ao passo que para outros, é imprescindível.

"A versão impressa, no entanto, ainda era um desejo de muita gente e foi para isso que viabilizamos, depois de muito planejar, o financiamento coletivo. Com muita alegria conseguimos vencer mais essa dificuldade e, em 7 dias de campanha, alcançamos a meta de 100%, somando R$ 30 mil. Ainda é possível apoiar até o dia 21 de setembro. Todos os lucros serão utilizados para viabilizar um segundo baralho", explica o jornalista.

Financiamento coletivo possibilitou levantar valor necessário em apenas sete dias (Foto: Arquivo pessoal)

Cidade Invisível

A série da Netflix, "Cidade Invisível", é categorizada como uma série de fantasia, criada por Carlos Saldanha, que tem, em seu currículo, obras como "A Era do Gelo" e "Rio". 

Tendo estreado em 5 de fevereiro de 2021, foi um enorme sucesso mundo afora, já que o folclore do Brasil, para o resto do planeta era, ainda, totalmente desconhecido.

A "gringaiada" ficou encantada com a riqueza dos nossos mitos e lendas retratados na atração. Tanto, que, por causa do sucesso, houve renovação para a segunda temporada e, agora, os fãs alimentam suas expectativas para uma terceira temporada e novos personagens.

Mas onde é que isso entra na história do Andriolli? 

"Eu fui um dos consultores da segunda temporada de 'Cidade Invisível'. Assinamos como Coletivo FolcloreBR", conta o jornalista. 

A simples existência do projeto já é, na opinião de Andriolli, um grande feito. 

"Um dos grandes méritos da série é o de existir; mostrar que o público está interessado em ver mais histórias como essa na tela; preparando o mercado para que outros projetos de players menos conhecidos do que nomes internacionais como Netflix e Carlos Saldanha possam ser desenvolvidos no Brasil."

Na primeira temporada, os fãs opinaram bastante, e acharam que poderia haver mais personagens e melhor exploração, em termos de profundidade, dos que apareceram naquele momento. Algo que, na segunda temporada, começou a ser atendido, além de promover, ainda, o regionalismo folclórico e a representatividade.

"Para além disso, a segunda temporada ainda tem a vantagem de se abrir para incorporar mais Brasil, mostrando outras regiões, outros atores, outras narrativas", conclui Costa.

Um pouco mais sobre o trabalho de Andriolli pode ser visto no Instagram, por meio do perfil @colecionadordesacis.

Quem quiser colaborar com o projeto de Andriolli pode acessar este link.