12/10/2021 11:30
Fronteira já registrou 160 assassinatos em disputas do tráfico
Conhecida como 'terra sem lei', fronteira em Mato Grosso do Sul ganhou holofotes nacionais após execução de cinco pessoas no sábado
A região de fronteira entre o Brasil e o Paraguai, que já era conhecida como ‘terra sem lei’, está ainda mais perigosa com a disputa de poder reiniciada após a emboscada que terminou com a morte do narcotraficante Jorge Rafaat, em 2016.
Levantamento do Estadão calcula que ao menos 160 mortes, em 2021, estão relacionadas à guerra do tráfico. No lado brasileiro, foram 74 assassinatos até setembro, segundo dados da Polícia Civil. Em seis municípios do lado paraguaio, houve ao menos 86 mortos.
O banho de sangue é coordenado, especialmente, por facção criminosa paulista que dominou o comércio de drogas na região a partir da execução de Rafaat. O problema ganhou os holofotes brasileiros após a morte de cinco pessoas em atentado no sábado (9), em Pedro Juan Caballero.
Morte de Jorge Rafaat foi estopim para aumento de mortes - Foto: Repórter Top/Arquivo
A chacina vitimou duas estudantes brasileiras de Medicina: Karine Reinoso de Oliveira, 21 anos, e Rhannye Jamilly Borges de Oliveira, 19 anos.
Morreu ainda a paraguaia Haylle Carolina Acevedo Yunis, de 21, sobrinha do governador do departamento de Amambay, Ronald Acevedo, e de José Carlos Acevedo que, neste domingo, foi eleito prefeito de Pedro Juan Caballero pela quarta vez consecutiva.
O alvo era o namorado da jovem, Osmar Vicente Alvarez Grance, 29 anos, supostamente ligado ao narcotráfico. Ele recebeu mais de 30 tiros.
Haylle e as colegas brasileiras cursavam Medicina na Universidade Central do Paraguai, em Pedro Juan. Segundo a polícia, foram disparados 107 tiros de pistolas e de fuzis Ak-47 e AR-15.
Em Ponta Porã, no mesmo dia, o vereador Farid Charbell Badaoul Afif (DEM), 37 anos, também foi executado. No entanto, a polícia não vê relação entre os casos.
Políticas de prevenção
De acordo com o secretário de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, Antônio Carlos Videira, as polícias estadual e federal brasileiras monitoram as quadrilhas e intensificaram as operações conjuntas contra o tráfico.
De janeiro a julho deste ano, 460 toneladas de drogas foram apreendidas após cruzarem a fronteira, o que teria gerado conflito entre as quadrilhas.
Segundo o Estadão, a polícia paraguaia acredita que o ataque em Pedro Juan foi ordenado pela facção paulista que se infiltrou no país vizinho para controlar as rotas de envio de drogas e armas para as organizações criminosas brasileiras e do exterior.
Osmar Grance, conhecido como Bebeto, era o dono de uma lavanderia onde 13 membros da facção foram presos, em março deste ano, durante uma assembleia do PCC. Há suspeita de que Bebeto tenha facilitado a ação da polícia.
Ainda, ele teria sido o mandante do assassinato de Marco Esquivel Gonzales, 32 anos, sobrinho de Cornélio Esquivel, um dos chefes da facção criminosa na região. No atentado, até mesmo a esposa de Marco foi assassinada.
A polícia paraguaia alega também que Bebeto contraiu dívidas com traficantes, já que recebeu pela remessa de drogas e não as entregou.
Conforme o subcomandante da Polícia Civil do departamento de Amambay, Roberto Fleitas, a hipótese mais provável para a chacina é de um conflito envolvendo integrantes da facção criminosa.
“Seria mais uma questão interna de facção que disputa o mercado brasileiro de drogas. Havia um conflito com essa pessoa, o Bebeto. É nisso que o Ministério Público e a polícia focam seu trabalho, em conjunto com a Polícia Federal no Brasil”, disse ao Estadão.
Para completar o cenário de guerra, esquadrões da morte que se intitulam “justiceiros da fronteira” contribuíram com os altos índices de mortes. As vítimas, geralmente envolvidas em furtos e roubos, foram executadas com crueldade, degoladas ou esquartejadas.
Os criminosos deixaram bilhetes ao lado do corpo, com “não roubar na fronteira” e “morte aos ladrões”. Essas ações seriam para que esses crimes menores não chamassem muito a atenção das autoridades para a região. E, mesmo os justiceiros estão na mira de outras gangues.
O jornalista Léo Veras foi vítima da guerra de facções - Foto: Arquivo Pessoal
A imprensa da região também já entrou na mira do narcotráfico. No ano passado, o jornalista Léo Veras, de 52 anos, foi executado em casa, quando jantava com a mulher e os dois filhos. Ele cobrava ações contra o tráfico na região.