CORONAVÍRUS

16/01/2021 10:07

Silêncio e mortes: Conselho de Medicina cala perante Manaus e libera cloroquina

Mauro Ribeiro, presidente da entidade Federal, é de Mato Grosso do Sul e se omite perante pandemia

16/01/2021 às 10:07 | Atualizado 16/01/2021 às 11:55 Vinícius Squinelo
Mauro, representando MS no Conselho Federal; hoje comanda a entidade - Divulgação

O curandeirismo ocupou o lugar da ciência no próprio Conselho Federal de Medicina, impulsionado por um nome de Mato Grosso do Sul: Mauro Luiz de Britto Ribeiro, ex-presidente também aqui no Estado. Sob a liderança do ex-diretor clínico da Santa Casa, a entidade se cala sobre o caos em Manaus e libera remédios ineficazes, como a cloroquina.

Tragédia nacional, Manaus (AM) enfrenta hoje falta de oxigênio após campanha federal pelo chamado ‘tratamento precoce’ – o uso de medicamentos não eficazes e nem comprovados cientificamente. Mauro, mesmo sem comprovação científica, liberou para os médicos a prescrição do kit covid, desde que com permissão do paciente. O Brasil é o único País do mundo entre os 50 mais ricos a ter o uso da medicação liberada.

Com as mortes em disparada em Manaus, mas também em Mato Grosso do Sul, que já soma 2.661 óbitos, Mauro também não veio à público ressaltar a importância da vacinação e defender a imunização que deve começar neste mês.

Como em uma cadeia de comando à lá general Eduardo Pazuello, Mauro é seguido pelo Conselho Regional de de Mato Grosso do Sul. Liderado pelo angiologista Maurício de Barros Jafar, a entidade acompanha calada enquanto o número de mortes pelo Sars-CoV-2, o novo coronavírus, sobem diariamente e parte dos médicos receita livremente medicamentos ineficazes contra a doença.

Enquanto isso, o presidente da entidade, Maurício de Barros Jafar, que assumiu em 1º de junho do ano passado, já no meio do período pandêmico, divulga nas redes sociais artigos sobre suposta eficácia da cloroquina, já desmentidos (veja ao final do texto).

(Post de presidente do CRM/MS mostra confiança na cloroquina / imagem: reprodução)

O CRM/MS, em nota oficial, afirma que ' esclarece que a entidade acompanha o posicionamento do CFM (Conselho Federal de Medicina), o qual é amplamente favorável à vacinação contra a COVID-19, após avaliação da segurança e eficácia dos imunizantes pela ANVISA. Em relação ao tratamento precoce o CRM/MS, entende que o médico tem autonomia para decidir junto ao paciente a terapêutica mais apropriada, conforme preconiza o parecer 04/2020 do CFM. “Tanto o CRM/MS quanto o CFM entendem que o profissional médico tem conhecimento para decidir qual a melhor opção a ser tomada, averiguando cada caso e decidindo junto ao paciente a utilização ou não do medicamento.'

O QUE DIZ A CIÊNCIA?
De acordo com instituições internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NHI, na sigla em inglês), não há, até o momento, medicamentos que comprovadamente reduzem o risco de infecção pela Covid-19. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) não recomenda tratamento precoce com qualquer tipo de medicamento. “Os estudos clínicos randomizados com grupos de controle existentes até o momento não mostraram benefício e, além disso, alguns destes medicamentos podem causar efeitos colaterais”, diz a SBI, em comunicado no Twitter na quinta-feira (14).

Em parecer publicado em abril do ano passado, o Conselho Federal de Medicina (CFM) diz que não há evidências sólidas de efeito de medicamentos como a cloroquina ou hidroxicloroquina no combate à Covid-19. No entanto, “diante da excepcionalidade da situação”, o CFM diz ser possível a prescrição do medicamento em pacientes infectados com o vírus. A decisão, entretanto, deve ser conjunta, entre médico e paciente. O profissional fica obrigado a relatar ao doente “que não existe até o momento nenhum trabalho que comprove o benefício do uso da droga” para o tratamento da Covid-19, explicando os efeitos colaterais possíveis, obtendo o consentimento livre e esclarecido do paciente ou dos familiares, quando for o caso.

Diversos estudos publicados já comprovaram que não há eficácia da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. O Recovery Trial, coordenado pela Universidade de Oxford, suspendeu testes em junho com o remédio ao notar que ele não mostrou benefício no tratamento da doença. Em julho, foi a vez do Solidarity Trial, coordenado pela OMS, encerrar testes com a hidroxicloroquina. Um estudo brasileiro, publicado em novembro no periódico New England Journal of Medicine, também comprovou que a hidroxicloroquina é ineficaz no tratamento de casos leves e moderados da Covid-19. 

Em setembro de 2020, a Escola de Medicina Perelman, da Universidade da Pensilvânia (EUA), testou o efeito profilático da hidroxicloroquina para aqueles que ainda não foram expostos à Covid-19. Os resultados mostraram que a ingestão diária da droga não reduziu o risco de infecção. A pesquisa foi publicada na JAMA Internal Medicine e analisou 125 profissionais de saúde que atuam na linha de frente de combate ao novo coronavírus. Em agosto, um outro estudo clínico, publicado no The New England Journal of Medicine, mostrou que essa medicação, fornecida por quatro dias, não foi capaz de reduzir a taxa de infecção por Covid-19 nos 14 dias subsequentes ao seu uso, quando comparada com placebo.