27/05/2019 07:00
Ministra Tereza Cristina 'abafa' falas de Bolsonaro e 'salva' negócios no mercado estrangeiro
Campo-grandense evita eventuais conflitos internacionais criados por declarações do presidente da República
Aos poucos, a ministra Tereza Cristina (Agricultura) tem mostrado eficiência no diálogo com o mercado externo e firmando-se como uma das mais notáveis no staff do governo de Jair Bolsonaro.
Nesta sexta-feira (17), o histórico do desempenho da campo-grandense – ela reelegeu-se deputada federal pelo DEM e foi escolhida ministra pelo presidente – foi contado em extensa reportagem produzida por Talita Marchao, do UOL.
Terezinha viajou para a China e, lá, contornou eventual mal-estar influído pelas declarações do presidente durante a campanha eleitoral, que se mostrou mais simpático ao mercado dos EUA do que o dá China.
No caso chinês, interlocutores ouvidos pela reportagem analisaram que foi superada a possibilidade de uma crise provocada pela retórica anti-Pequim adotada durante a campanha de Bolsonaro, apesar da aproximação com os EUA em detrimento da relação com a China.
A reportagem relembra ainda episódios negativos enfrentados pela ministra, como o caso JBS – ela ajudou a empresa, que se meteu num caso nacional de corrupção, com benefícios fiscais.
De acordo com o material do UOL, diante dos inúmeros conflitos do governo Bolsonaro, uma de suas principais interlocutoras passa incólume por olavistas, militares e opositores. Nos cinco meses em que chefia o Ministério da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS) tem desempenhado uma espécie de "diplomacia paralela" em meio às crises criadas pelo Itamaraty, colocando-se como um canal do governo muito mais aberto ao diálogo e amenizando conflitos com países vitais para a balança comercial brasileira.
Pessoas de diferentes setores agrários, comerciais e diplomáticos relataram ao UOL, sob anonimato, que Tereza Cristina é a principal ponte junto aos países árabes e asiáticos.
Nesta semana, narra o site, a ministra esteve na China. Sua passagem por Pequim foi uma espécie de abertura para a ida ao país do vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), que começa neste final de semana.
Anteriormente, Tereza Cristina já havia sido a responsável pelo convite para um jantar a embaixadores árabes no Brasil, em abril, dias depois de o presidente Jair Bolsonaro (PSL) retornar de uma viagem a Israel que irritou profundamente o mundo árabe.
Naquele momento, ele tinha anunciado a abertura de um escritório de negócios em Jerusalém e o adiamento da transferência da embaixada para Tel Aviv.
Bolsonaro e o chanceler, Ernesto Araújo, também participaram do jantar, realizado na sede da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), mas a presença dos dois foi confirmada de última hora - e pela própria ministra.
Ainda de acordo com o UOL, no caso chinês, interlocutores ouvidos pela reportagem analisaram que foi superada a possibilidade de uma crise provocada pela retórica anti-Pequim adotada durante a campanha de Bolsonaro, apesar da aproximação com os EUA em detrimento da relação com a China.
PARCERIA
"A viagem da ministra é para a Ásia, que é hoje o nosso maior parceiro comercial. É muito mais do que um contexto chinês [a agenda inclui Japão, Vietnã e Indonésia]. Mas é evidente que a China sobressai por ser o principal parceiro e a maior economia. Acredito que os chineses sabem bem diferenciar retórica de conteúdo. A ministra e o vice-presidente Mourão não estão indo para lá para consertar as coisas ou esclarecer nenhum mal-entendido. Qualquer mal-estar já foi esclarecido há muito tempo", avaliou ao site o presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, Luiz Augusto de Castro Neves, que já comandou a embaixada brasileira em Pequim.
"A China não tem problemas ideológicos com declarações formais ou que frequentemente não correspondem com a realidade. Eles não interferem na vida doméstica dos parceiros. Têm sempre uma visão de longo prazo, então não ficam ansiosos quando alguém dá uma declaração que causa ruído. Eles estão pensando em 2020, 2030 e até 2050. Eles são mestres em identificar questões de prazo mais longo. É isso que importa", afirma o embaixador aposentado.
Na China, Tereza Cristina convidou investidores chineses para conhecer o Brasil. Segundo o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), o grupo tem interesse em investir em ferrovias, infraestrutura e biotecnologia
A ministra tenta ainda a liberação de mais de 70 frigoríficos brasileiros para exportar carne ao mercado chinês, aproveitando principalmente para aumentar as vendas de carne suína, já que a China perdeu 35% de seus rebanhos suínos para a peste suína --a doença não oferece risco à saúde humana. O porco é a principal proteína consumida no país, que só deve recuperar o rebanho em cinco anos.
"Neste ano, o Brasil está com uma agenda governamental muito intensa para a China. Além da ministra e do vice-presidente, o próprio Bolsonaro irá o país no segundo semestre. O presidente chinês, Xi Jinping, vai para o Brasil em novembro. Se teve algum ruído no passado, é passado", diz Lígia Dutra, superintendente de relações internacionais da CNA, entidade que sediou o jantar para os árabes no Brasil.
COMITIVA
"Neste ano, o Brasil está com uma agenda governamental muito intensa para a China. Além da ministra e do vice-presidente, o próprio Bolsonaro irá o país no segundo semestre. O presidente chinês, Xi Jinping, vai para o Brasil em novembro. Se teve algum ruído no passado, é passado", diz Lígia Dutra, superintendente de relações internacionais da CNA, entidade que sediou o jantar para os árabes no Brasil.
Dutra faz parte da comitiva que acompanha a ministra pela Ásia. "Até mesmo em relação aos países árabes, não há qualquer problema mais, se é que existiu algum dia. Agora é vender, e não ficar com uma política de isolacionismo comercial", diz a representante da entidade ruralista
Ali Saifi, diretor-executivo da certificadora de alimentos Cdial Halal, principal empresa do segmento, também diz que o momento da crise em relação aos mercados árabes foi superado. "As notícias correram e o momento de desconfiança foi minimizado. Uma vez ou outra alguém ainda pergunta sobre a atual política do governo, mas já não é no mesmo tom de antes", afirma o empresário
Saifi destaca, entretanto, que uma visita aos países árabes de alguém do alto escalão ainda precisa ser feita e espera bons resultados da passagem de Tereza Cristina pela Indonésia, país muçulmano mais populosa do mundo, com mais de 260 milhões de habitantes.
"Entre 210 milhões e 220 milhões de indonésios são muçulmanos e consomem produto halal [carne bovina e de frango abatidos segundo as regras do Alcorão]. E o mercado deles é muito fechado. A gente ainda consegue exportar uma pequena quantidade de carne bovina, mas nada de frango. Aquela é uma região em que existe um lobby muito forte de países vizinhos, como a Austrália. A Indonésia é um mercado fantástico, mas falta uma visita de alto nível. É excelente para o Brasil que ela inclua o país na passagem pela Ásia", avalia o diretor.
Reeleita na eleição passada, a deputada federal Tereza Cristina, 64, é engenheira agrônoma por formação e atuava como líder da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) na Câmara até ser convidada por Bolsonaro para chefiar o ministério.
CANDIDATA & APUROS
Durante a campanha presidencial, chegou a ser cogitada como candidata a vice-presidente na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB-SP), que optou pela senadora gaúcha e também ruralista Ana Amélia (PP). Tereza acabou declarando apoio a Bolsonaro, tendo sido o primeiro grande nome dentro do Congresso a apoiar o militar
Antes de tomar posse, Bolsonaro defendeu Tereza Cristina pel envolvimento com a JBS --ela beneficiou a empresa enquanto chefiava a secretaria de Desenvolvimento Agrário e Produção em Mato Grosso do Sul, quando a JBS assinou Termos de Acordo de Benefícios Fiscais, segundo reportagem da Folha. No mesmo período, a deputada arrendava um terreno aos irmãos Joesley e Wesley Batista.
"Ela é uma política, e com isso tem uma grande habilidade de negociação e de escutar. Ela criou e tem cativado uma unanimidade no setor, além de ter muito prestígio. Não é à toa que conseguiu levar mais de cem empresários com ela para a China, além de deputados", afirma um entrevistado do setor agropecuário. "Ela fala, ouve e apresenta os cenários. A gente vê o Itamaraty ou até mesmo o próprio presidente falando sobre o que aconteceu em relação aos árabes, mas, quando ela fala, parece que representa outro país. O Bolsonaro falava uma coisa e ela falava outra", comenta outra pessoa ouvida.
O presidente da Câmara Árabe-Brasileira, Rubens Hannun, diz que o órgão sempre foi bem recebido pela ministra. "Quando pedimos para falar com ela, tivemos uma resposta muito rápida. E o resultado foi muito bom. Ela se mostra muito interessada e consciente da importância dos países árabes. Além disso, o jantar organizado por ela foi ótimo e conseguiu quebrar o gelo. Ela tem feito o papel dela", diz o líder da entidade. "Este é um papel que cabe a ela, e ela tem feito de forma muito positiva", diz Hannun.
"A gente levou ao governo brasileiro, seja com a ministra, com o Ministério da Economia e até mesmo ao vice-presidente Mourão, nossa preocupação de que existia um risco de criar ruídos desnecessários na relação com o mercado árabe, com quem sempre o Brasil teve uma relação muito boa", afirmou o presidente da Câmara Árabe.
EXPORTAÇÕES
Do total das exportações brasileiras para a China em 2018, mais de 40% é de soja triturada; carne bovina representa 2,6%, enquanto a proteína de frango representa 1,4%, e a suína 0,54%.
Em relação aos países árabes, o principal produto vendido no ano passado foi a carne de frango (21%); a venda de carne bovina representa 9,3%. Praticamente empatam na lista dos três principais clientes brasileiros o Irã (23%), a Arábia Saudita (22%) e os Emirados Árabes Unidos (21%), país cotado para receber Bolsonaro ainda neste semestre.
No caso do Irã, soja e milho correspondem, juntos, a 71% de tudo o que é vendido pelo Brasil; carne bovina corresponde a mais 14%. No caso saudita, a venda de frango e carne somam mais de 45%; açúcar de cana (bruto) representa mais 16%. Frango e carne bovina também são os principais produtos vendidos para os Emirados (somados, 30,8%), além de açúcar de cana (bruto), que representa 17% das vendas brasileiras ao país.