Saúde

13/05/2019 07:49

Crianças de até 5 anos devem ficar menos de uma hora por dia com celulares, diz OMS

O órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou um guia inédito com recomendações para contribuir com o desenvolvimento motor e cognitivo e ajudar a evitar a obesidade infantil

13/05/2019 às 07:49 | Atualizado 13/05/2019 às 07:49 Da redação/Gaúcha ZH
Reprodução/Gaúcha ZH

Se você tem crianças e adolescentes em casa, é bem provável que já tenha se questionado sobre o impacto de tablets, smartphones, TVs e videogames no desenvolvimento de seus filhos. Nativos digitais, meninos e meninas nascidos na última década são atraídos desde cedo pelas telas e, não raro, passam horas a fio diante de dispositivos móveis. Mas será que há, de fato, motivos para se preocupar?

Pesquisas sugerem que sim, e, no final de abril, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um guia inédito em que recomenda: bebês de até um ano não devem ter contato com telas, e crianças de dois a quatro anos só poderiam gastar uma hora por dia com isso. As novas diretrizes foram elaboradas para contribuir com o desenvolvimento motor e cognitivo e ajudar a evitar a obesidade infantil.

Debruçados sobre o tema do uso precoce de telas, cientistas já concluíram que o novo hábito está associado a uma série de problemas, embora ainda não tenha sido possível estabelecer relação direta de causa e efeito entre uso de telas e distúrbios físicos e psicológicos. Muitos estudos importantes estão em andamento, mas a velocidade da pesquisa científica não é a mesma dos avanços tecnológicos, em especial no que diz respeito aos novos usos de mídia digital. 

— É tudo muito novo. Estamos falando dos últimos cinco, 10 anos, o que é pouco para avaliar impactos de longo prazo. Ainda não temos claro o quanto as telas, por si só, são nocivas para as crianças, mas sabemos que elas estão deslocando o tempo de atividades essenciais para o desenvolvimento infantil, especialmente nos primeiros anos de vida, e isso é preocupante — sintetiza a neuropediatra Renata Rocha Kieling, professora da Faculdade de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Diante da inquietação crescente, a Academia Americana de Pediatria publicou, em 2016, uma revisão dos estudos existentes até então e listou as principais orientações sobre o tema. Para a entidade, naquele momento, as evidências já eram suficientes para recomendar que crianças de dois a cinco anos não fossem expostas a mais de uma hora de tela por dia. 

No mesmo ano, a Sociedade Brasileira de Pediatria lançou um manual sobre o assunto, destinado a ajudar médicos e pais a cruzarem as águas turvas e imprevisíveis da Era Digital. O trabalho segue a mesma linha do compêndio norte-americano e desencoraja “a exposição passiva em frente às telas digitais” de crianças com menos de dois anos, principalmente durante as refeições e de uma a duas horas antes de dormir.

— As pesquisas indicam que as crianças não devem ser expostas de forma precoce às telas. O celular se tornou muito atraente, com filminhos e canções que ajudam a distrair, e os pais passaram a usar esse artifício desde muito cedo, em bebês de dois, três meses. Eles não têm noção do risco. Até os dois anos, é o tempo da aquisição da linguagem e do arcabouço psíquico-social. É claro que é necessário conviver com os avanços da tecnologia e saber tirar proveito deles, mas não se pode esquecer que, no processo de formação, a gente ainda precisa daquelas coisas que parecem antigas: canção de ninar, histórias contadas pelos pais, brincadeiras, interação — diz a pediatra e psiquiatra Ana Maria Costa da Silva, membro do Departamento Científico de Desenvolvimento e Comportamento da SBP e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Duas conclusões preocupantes

Mais recentemente, em janeiro de 2019, o Royal College of Pediatrics and Child Health, do Reino Unido, lançou um novo guia, com uma revisão bibliográfica atualizada, baseada nos resumos de 940 estudos. A entidade também consultou 109 crianças e jovens de 11 a 24 anos sobre como utilizam e o que pensam dos gadgets. Por fim, chegou às seguintes conclusões:

1) Crianças com maior tempo de tela tendem a ter dieta menos saudável e indicadores mais pronunciados de obesidade.

2) Aquelas que usam muito esses dispositivos, particularmente mais de duas horas por dia, tendem a ter mais sintomas de depressão, embora alguns estudos tenham apontado que algum tempo de tela pode ser melhor para a saúde mental do que nenhum. Esse tempo “ideal” ou “seguro”, apesar das recomendações da Academia Americana de Pediatria, ainda é alvo de dúvidas na comunidade médica.

— Por enquanto, não temos subsídios científicos claros para definir horas de uso. O que deve prevalecer é o bom senso — afirma o pediatra Leandro Meirelles Nunes, doutor em Saúde da Criança e do Adolescente e professor da Faculdade de Medicina da UFRGS.

Segundo o Royal College, também parece haver uma tendência de resultados mais pobres em termos educacionais, de qualidade do sono e de capacidade física em crianças que usam telas por longos períodos. A entidade também cita os riscos relacionados a conteúdos nocivos, principalmente por meio do cyberbullying ou da visualização de atos de violência e pornografia. Outro ponto que merece atenção é a substituição de atividades positivas pelas telas, o que os cientistas chamam de “custo de oportunidade”.

— Se tem um momento em que deveríamos pedir “screen free” é o momento da refeição, da troca de fraldas, da hora de dormir, do banho. Esses momentos são sagrados na relação da mãe com seu filho. O que precisa ser avaliado é o que a tela está tirando da criança. Momentos de troca são fundamentais — diz Renata.

Nunes concorda. O professor sustenta que “o problema é o excesso”, que também vem sendo associado a alterações posturais, distúrbios de visão, dificuldades no desenvolvimento da linguagem, maior chance de desenvolver déficit de atenção, hiperatividade e distúrbios sociais. Mas também há pontos positivos, que não podem – e não devem – ser desconsiderados.

— A gente costuma brincar que, hoje, os bebês já saem da maternidade sabendo fazer touchscreen. Nem tudo, nessa história, é ruim. Há benefícios também. Existem aplicativos que estão sendo usados para a inclusão de autistas e aplicativos que as escolas usam para tarefas de matemática e de outras disciplinas, por exemplo. Como tudo na vida, o segredo é a moderação — conclui Nunes.

Manual de recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS)

Bebês com menos de um ano:

Crianças de um a dois anos:

Crianças de três e quatro anos:

Da Academia Americana de Pediatria:

Da Sociedade Brasileira de Pediatria: