28/02/2019 16:47
Cesárea não solicitada em vítima de estupro de 11 anos reacende polêmica sobre aborto
A menina teria direito a aborto legal, mas Justiça demorou e médicos acabaram fazendo cirurgia para retirar bebê vivo, que agora está sob cuidado neonatal
Uma cesariana feita numa menina estuprada na província de Tucumán, no norte da Argentina, na quarta-feira (27) reacendeu o debate sobre o aborto na Argentina, após a família e organizações sociais considerarem a demora na interrupção da gravidez como "tortura". A menor de 11 anos, cuja identidade foi deixada em sigilo, foi estuprada pelo parceiro de sua avó. "Quero que me tirem o que o velho colocou dentro de mim", afirmou, de acordo com o registro judicial do caso.
Na Argentina, de acordo com lei vigente desde 1921, o aborto é permitido em dois casos: quando a vida da mulher está em perigo e quando a gravidez é resultado de estupro, sem definir as semanas de gestação. Embora a gravidez tenha sido detectada em 21 de janeiro, quando a menina foi para o centro médico reclamando de dores de estômago, a autorização do aborto foi sendo adiada e a menor só foi internada para a intervenção um mês depois.
"O direito à saúde não foi respeitado. Foram colocados obstáculos, barreiras. A prática legal foi atrasada e permitiu que a gestação avançasse, terminando como terminou", reclama a advogada Soledad Deza, de um grupo de "católicos pelo direito de decidir". A advogada da família, Cecilia de Bono, lembrou que a menina e sua mãe pediram a interrupção da gravidez. "A vontade da menina tinha que ser levada em conta". No entanto, segundo os médicos, era tarde demais para interromper a gravidez.
"A verdade é que não se podia esperar por uma via vaginal", disse a ginecologista Cecilia Ousset, que esteve presente durante o procedimento. "Seu corpo não estava desenvolvido para uma gravidez de 23 semanas, e mesmo se estivesse, ela não estava em condições psicológicas por causa dos muitos abusos que sofreu", explicou a especialista, cujo marido fez a intervenção. A menina passou por uma "microcesariana" e o bebê de cinco meses foi para a área de neonatologia. As chances de sobrevivência do bebê prematuro são "extremamente difíceis", segundo o médico Carlos Schwartz.
Controvérsia e denúncias
O episódio gerou indignação de várias organizações sociais, entre elas o movimento feminista 'Nem Uma a Menos'. "O Estado é responsável por torturar Lucia", disse a organização, que pediu uma mobilização em Tucuman contra o atraso no processo de aprovação do aborto. Enquanto isso, a ONG de direitos humanos ANDHES observou que "a prática (cesariana) não foi solicitada". "O sistema de saúde é responsável", acrescentou.
O governo provincial defendeu a medida e pediu para que continuem "os procedimentos necessários para salvar as duas vidas". No ano passado, uma proposta de legalização total do aborto até a 14ª semana de gestação foi aprovada pela Câmara dos Deputados argentina, mas sofreu um revés no Senado, que rejeitou a proposta por 38 votos a 31.
Na Argentina, país que é berço do Papa Francisco e tem forte influência da Igreja Católica, a questão dividiu a sociedade. Aqueles favoráveis à legalização do aborto adotaram o lenço verde como símbolo, enquanto os contrários, com apoio da Igreja, adotaram o lenço azul.
No mês passado, um caso semelhante aconteceu na província de Jujuy, onde foi submetida a uma cesariana uma menina de 12 anos que estava grávida de 24 semanas, também por causa de um estupro, e que igualmente havia solicitado o aborto, que foi sendo adiado. O bebê morreu dias depois.