O Ministério Público Federal e as Defensorias Públicas da União e do Estado de Mato Grosso do Sul ajuizaram ação civil pública para que os Governos Federal, Estadual e Municipal sejam obrigados a enfrentar os alarmantes níveis de drogadição na Reserva Indígena de Dourados. A ação considera os entes estatais “omissos quanto aos deveres constitucionais e legais de tutela à vida e à saúde da população indígena de Dourados” e pede decisão liminar que obrigue a implementação de política pública destinada à saúde mental dos indígenas, com indicadores a serem monitorados, ações e órgãos responsáveis por cada uma.
A Reserva Indígena de Dourados tem a maior concentração de população indígena do país, cerca de 13 mil habitantes. Há em relação à população uma “indiferença hostil”, com um descaso não raramente fundado em motivos discriminatórios. Tal descaso estatal reflete nos índices de violência. Com base nos dados oficiais, entre 2012 e 2014, o Brasil teve taxa média de 29,2 homicídios por 100 mil habitantes. Em Mato Grosso do Sul, a taxa foi de 26,1. Entre os indígenas de MS, este número sobe para 55,9. Já os indígenas da Reserva de Dourados enfrentam uma taxa de homicídios de 101,18 por cem mil habitantes. Os indígenas da região de Dourados morrem por homicídio a uma taxa quase 400% superior aos não indígenas de MS.
Este fato se repete com relação a outros crimes, como a violência doméstica e sexual. Relatório oficial do Distrito Sanitário especial Indígena (DSEI/MS) revela que os determinantes sociais impactam diretamente na saúde: “A precariedade da segurança pública, educação deficitária, alimentação e habitação inadequadas, carência de projetos voltados para a geração de renda e emprego e a ausência de políticas públicas para os indígenas refletem no alto índice de violência, consumo de drogas e álcool, mortalidade infantil e os alarmantes índices de homicídio e suicídio”.
Índios: 6,79% da população, 67% das internações de adolescentes
Em relação a crianças e adolescentes acolhidos em instituições estatais na região de Dourados, a disparidade é a mesma. Em 2016, foram internados 410 adolescentes não indígenas e 282 indígenas. Embora representem apenas 6,79% da população de Dourados, os indígenas responderam por 67% das internações, o que mostra que a violência atinge esta população de forma particularmente intensa.
Destaque também para a questão do suicídio entre os indígenas da etnia guarani-kaiowá da região de Dourados. Em 2015, enquanto a taxa brasileira foi de 9,6 suicídios por 100 mil habitantes, a mesma taxa entre os indígenas foi de 89,92, número que não encontra paralelo nem entre os países com maiores índices do mundo. A maioria das mortes ocorreu na faixa dos 15 aos 29 anos.
Em abril de 2011, a Justiça concedeu liminar, em ação civil pública ajuizada pelo MPF, determinando que Funai e União disponibilizassem efetivo de 12 policiais para efetuar a segurança da Reserva Indígena de Dourados. Em março de 2012, União e Estado de Mato Grosso do Sul firmaram Acordo de Cooperação Técnica, que foi renovado 3 anos depois, sem nunca ter sido efetivado, mesmo com a doação de 7 caminhonetes e 12 motocicletas pelo governo federal.
Polícia não atende indígenas pelo 190
Outras duas ações foram ajuizadas pelo MPF em Dourados e Naviraí para que os indígenas pudessem ser atendidos emergencialmente pelas polícias estaduais, através do telefone 190. Isso porque o governo do estado havia editado um parecer impedindo as forças de segurança de atender emergências dentro das terras indígenas. Um flagrante caso de discriminação. Em novembro de 2012, duas liminares judiciais invalidaram o parecer e determinaram o atendimento dos indígenas de todo o estado.
Descaso semelhante é verificado em relação à educação. Informe da Prefeitura de Dourados, de 2014, mostrava que 600 crianças estavam fora da escola por falta de vagas. Invariavelmente, as escolas indígenas apresentam superlotação e estrutura deficiente para promover a educação. Nova ação civil pública foi ajuizada, que resultou em acordo judicial do MPF com a Prefeitura de Dourados, que se comprometeu a criar novas vagas na rede básica de ensino.
Para o MPF, apesar dos números mostrarem a necessidade de políticas específicas voltadas para os indígenas, “os órgãos estatais participam de verdadeira disputa judicial para verem suas responsabilidades excluídas”.