Em 16 de fevereiro de 2004, o então tenente da PM Djalma dos Santos Araújo entrou, com outros cinco policiais, na casa de Nélis Nelson dos Santos, de 31 anos, em busca de armas e drogas. Nelson foi algemado, sufocado com um saco plástico, levou choques, teve dedos, mamilos e lábios apertados com um alicate e, por fim, foi empalado (técnica de tortuna na qual uma estaca é atravessada no corpo da vítima).
Os fatos foram investigados e comprovados: todos os policiais foram condenados a cinco anos de prisão pelo crime de tortura dois anos depois. No entanto, até hoje, Djalma segue na PM. E ainda recebeu uma promoção: em dezembro do ano passado, passou de tenente à capitão.
Djalma conseguiu se manter na PM após ser beneficiado por uma série de decisões judiciais. O Conselho de Justificação — processo administrativo para avaliar a conduta de oficiais da PM — de Djalma foi instaurado logo após o crime. Em dezembro de 2005, a Secretaria de Segurança encaminhou ao Tribunal de Justiça (TJ) — órgão responsável pela decisão final do processo — um parecer recomendando a demissão do oficial.
Quatro anos depois, desembargadores da Seção Criminal do TJ decidiram que Djalma era “indigno ao oficialato”. Ele recorreu e perdeu todos os recursos possíveis até 2014, quando não havia mais instâncias superiores a que apelar. Em 2015, sua demissão foi assinada pelo governador Luiz Fernando Pezão.
Mas Djalma não desistiu de voltar à PM: logo após a demissão, ele entrou com um mandado de segurança contra o Estado, argumentando que seu Conselho de Justificação durou mais tempo do que o permitido por lei — que determina que o processo pode levar, no máximo, seis anos. Ele argumentou que o seu havia durado dez, da instauração até a decisão final. Em maio de 2016, os desembargadores do Órgão Especial do TJ, por unanimidade, determinaram que Djalma fosse reintegrado.
Djalma, fardado, após voltar para a PM Djalma, fardado, após voltar para a PM
Mesmo de volta à corporação, Djalma se manteve insatisfeito: queria ser promovido. Enquanto alguns oficiais de sua turma já eram majores, ele ainda era tenente. Djalma, então, alegou que “a reintegração não ocorreu de forma plena”. Em outubro do ano passado, o então presidente do TJ, Milton Fernandes de Souza lhe deu razão: “promoções são consectários lógicos da reintegração”, decidiu o magistrado. No dia 10 de dezembro, o Diário Oficial estampou a sua promoção a capitão “pelo critério de antiguidade”.
Médicos reconstituíram bexiga de vítima
No dia do crime, Nélis chegou ao Hospital Miguel Couto urinando sangue. Os médicos tiveram que reconstituir sua bexiga e seu canal retal. O laudo de exame de corpo de delito detectou lesões no pescoço, no antebraço e na região mamária, acusando asfixia e tortura.
No depoimento que prestou sobre o caso à Justiça, a vítima narrou os momentos de terror que viveu: apontou o policial que “enfiou o cabo de vassoura em seu ânus” e disse que “teve um saco plástico colocado em seu rosto, enquanto apertavam o seu gogó, que pegaram o fio da televisão e deram choques no rosto e nas nádegas”. Parentes da vítima viram Djalma na casa naquele dia e reconheceram o policial.
À Justiça, o comandante do 1º BPM (Estácio) — unidade onde eram lotados à época — tenente-coronel Marcos Alexandre Santos de Almeida defendeu seus policiais. Ele contou que cinco dias antes do crime um PM havia sido morto no Morro da Coroa, e por isso intensificou as operações. Segundo ele, o fato “certamente teria trazido desconforto e desagrado aos criminosos que ali atuam”. Em seguida, o oficial tentou convencer a juíza de que a tortura havia sido praticada por traficantes, “porque a vítima estaria colaborando com o trabalho policial”. Já o subcomandante do batalhão, tenente-coronel, Álvaro Sérgio Alves de Moura disse que a morte do PM causou “comoção e sentimento de revolta nos demais policiais”.
Segundo nota enviada pela PM, desde que foi reintegrado, Djalma só trabalhou “em funções administrativas”. Atualmente, ele está lotado na Diretoria Geral de Pessoal (DGP) — considerada a “geladeira” da corporação. O capitão, entretanto, sente falta do tempo em que trabalhava nas ruas.
Após sua reintegração, em novembro de 2016, ele postou numa de suas redes sociais, uma foto fardado e segurando um fuzil. “Tem horas que bate uma saudade”, escreveu. Bem-humorado, o oficial também brinca sobre sua exclusão dos quadros da polícia. Em agosto de 2017, um amigo comentou numa postagem feita por Djalma de um vídeo em que ele treinava tiros num estande da PM. “Pede pra sair 01”, brincou o amigo. “Já saí uma vez. Agora, tô voltando”, respondeu Djalma.
Durante as eleições, apoiou Jair Bolsonaro e Wilson Witzel. Com o governador, chegou até a posar para uma foto. Witzel, em nota, diz que “não tem e jamais teve relação” com o PM. Segundo o governo, o Estado recorreu da reintegração do PM.
Já Nélis entrou no Programa de Proteção à Testemunha e nunca mais foi visto na favela.
Procurado, o advogado de Djalma, Marcos Espínola, disse que o processo criminal já está concluído e que, por enquanto, no processo pela reintegração na PM, o cliente venceu todos os recursos.