Principal fonte de renda do setor privado no tratamento de câncer, o SUS (Sistema Único de Saúde) fracassa nas ações dos gestores quando se trata de investir em hospitais públicos. Em Mato Grosso do Sul, todo o tratamento para a doença é financiado pelos Governos Federal, estadual e municipais e realizado por instituições filantrópicas, fundações privadas, cooperativas e afins.
O que temos visto nos últimos anos é o serviço público de saúde praticamente sabotado de dentro pra fora. A operação Sangue Frio, realizada pela Polícia Federal e que ficou conhecida por revelar a 'Máfia do Câncer', desnudou um grande esquema de desmonte da rede pública e monopólio do setor particular no tratamento do câncer, com fraude em licitações e superfaturamento de serviços. E a situação não parece ter mudado.
Em todo o Brasil, a constatação é que nem instituições de renome como o Hospital de Barretos, AC Camargo ou o Menino Jesus vivem sem o financiamento do SUS. A rede privada não terá tão cedo estrutura para montar centros de alta complexidade em oncologia. Isso porque não tem condições financeiras, nem estruturais, ou equipe multidisciplinar e multifuncional - devido ao alto custo de sua composição e manutenção.
O peso da carga tributária no custo da saúde afeta o tratamento. O País tem a maior carga tributária do planeta. O maior comprador de medicamentos é o governo; então, é o governo que está pagando esse custo.
Com o desmonte da rede pública, as unidades privadas recebem todo tipo de investimentos do Poder Público, como verba para reforma, ampliação, compra de equipamentos, financiamento de leitos e tratamentos. O Hospital do Câncer Alfredo Abrão, em Campo Grande, é um exemplo desse sistema.
Com estrutura pública, equipamentos públicos, verba de manutenção, financiamento e expansão pública, doados a um grupo privado, tem 97% dos pacientes financiados pelo SUS e ainda faz política para conseguir a doação de outro aparelho de radioterapia, bancado com recurso público.
Além dele, operam da mesma forma as demais unidades que tratam câncer no interior do estado: Santa Casa de Corumbá/Associação Beneficente de Corumbá (Unacon); Hospital Evangélico Dr.e Sra.Goldby King/Associação Beneficente Douradense (Unacon com serviço de Radioterapia); e Hospital Nossa Senhora Auxiliadora de Três Lagoas (Unacon). Todos bancados com recursos do SUS.
O especialista em Clínica Médica e Saúde do Trabalhador, médico Ronaldo de Souza Costa, é um dos principais lutadores para que o recurso público volte a financiar os hospitais públicos. De acordo com ele, a Rede Oncológica do estado atua como agente isolado e não fornece acompanhamento psicológico e social aos pacientes, como manda o Ministério da Saúde.
O Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), órgão brasileiro auxiliar do Ministério da Saúde, reforça que cabe às secretarias estaduais e municipais de Saúde organizar o atendimento dos pacientes na rede assistencial, definindo para que hospitais os pacientes, que precisam entrar no sistema público de saúde por meio da Rede de Atenção Básica, deverão ser encaminhados. Mas o poder público nada tem feito para retomar os recursos e injetá-los onde deveria: na estrutura pública.
Ronaldo Costa, em seu artigo “A defesa de uma Política de Estado para o tratamento do câncer em MS”, exemplifica da seguinte maneira a injeção de dinheiro do SUS no setor privado: "se o Poder Executivo tem dificuldade de remunerar o gasto com saúde que são ‘serviços administrativos + serviços materiais + serviços profissionais’, como lhe seria viável mediante a compra de serviço privado, aumentar a oferta qualitativa e quantitativa de serviços, adicionando ainda a rubrica do “lucro”? Com o aumento da conta para ‘serviços administrativos + serviços materiais + serviços profissionais + lucro’ é óbvio que se fará muito menos e pior com o mesmo orçamento anual pré-estabelecido".
“Este é o modelo que está escolhido através da compra de serviços de Fundações Filantrópicas, Fundações Privadas, Organizações Sociais (OS’S), Organizações da Sociedade Civil Públicas (OSCIP’S), e Fundações Estatais de Direito Privado. Ainda existem as (falsas) Cooperativas e as “inovadoras” Autarquias. Todas as formas são destruidoras do SUS (Sistema Único de Saúde), uma das poucas experiências democraticamente lapidadas na nossa história”, assevera o médico.
As investigações
Após o escândalo da Máfia do Câncer foi realizada uma CPI da Saúde na Assembleia Legislativa, que apurou que, dos 100% das verbas públicas gastas com saúde em Campo Grande, 78% era para pagamento do setor privado. Dos 22% restantes que vão para o setor público pelo menos 50%, isto é, 11% do total, são destinados a terceirizações de serviços. Logo, dos 100% das verbas do SUS em Campo Grande, 89% são destinados ao setor privado.
As investigações do Ministério Público apontaram que há uma transferência de recursos para estruturas particulares, cujos agentes contratados, na maior parte das vezes são profissionais do SUS que não oferecem a produtividade no setor público igual à que desempenham no setor privado. E tudo isso propositadamente, pois a geração de demanda privada só é possível, de forma sustentável, se o setor público não funcionar.
O Procurador da República de MS, Felipe Fritz Braga, alertou sobre a forma como a gestão pública faz a aplicação de recursos. “Derramam-se recursos vultosos na rede privada de saúde - e aí incluo as instituições filantrópicas, como Hospital do Câncer e também Santa Casa - mas pouco se aplica, em termos proporcionais, nos hospitais públicos", pontua.
Na ponta da lança, apesar do investimento maciço, há a certeza que o serviço tem muito a melhorar. Principalmente quando vemos personalidades importantes como o ex-senador, já falecido, Ramez Tebet, os deputados Akira Otsubo, Londres Machado, a filha do prefeito Marcos Trad, todos se trataram em hospitais fora do Estado.
E o derramamento de dinheiro público do SUS nos hospitais particulares não tem sido eficaz. Isso porque, um estudo feito pelo Observatório de Oncologia, plataforma de análise de dados criada pelo movimento Todos Juntos Contra o Câncer, liderado pela Associação Brasileira de Leucemia e Linfoma (Abrale), revela que gastos públicos no combate ao câncer cresceram 66% no Brasil nos últimos cinco anos. Mesmo assim, o número de casos da doença também tem aumentado.
Gastos do Ministério da Saúde com tratamento de câncer em 2010 foram de R$ 2,1 bilhões, contra R$ 3,5 bilhões em 2015. Os valores dizem respeito a cirurgias oncológicas, quimioterapia, radioterapia, e cuidados paliativos. No mesmo período, aumentou o número de pacientes atendidos pelo SUS.
De 292 mil em 2010 para 393 mil em 2015. Se as políticas públicas de prevenção, detecção da doença não forem aprimoradas, em 2029 a doença de tornara a principal causa de morte