Conhecida por coordenar a Associação Mães da Fronteira, Angela Fernandes, 51 anos, relembra que o filho, Leonardo Fernandes, tinha um brilho especial no último dia de vida e acredita que o jovem hoje estaria formado em direito. Leonardo, 19 anos, e o amigo Breno Silvestrini, 18 anos, foram torturados e mortos por uma quadrilha em agosto de 2012, após terem o veículo Pajero roubado na saída de um bar próximo da Avenida Ceará na Capital.
“Leonardo teria 25 anos hoje. Eles estavam comigo aqui em casa, Leonardo tinha chegado há pouco. Ele fazia direito em Rio Grande-RS, ele não tinha muita certeza se ele queria fazer Direito, mas naquele dia ele estava com muita certeza, ele tinha visto muitos processos e estava com certeza. Na época eu também fazia faculdade de Direito e estava fazendo um trabalho, estava fazendo uma petição e ele sentou comigo ali e ficou lanchando e conversando”, relembra a mãe.
Angela explica que Breno chegou minutos depois e estava com um brilho especial. “Minutos depois chegou meu sobrinho Paulo Cesar, falando que tinha encontrado o Breno andando de bicicleta sozinho no Parque das Nações e era muito raro o Breno ficar sozinho, porque os meninos adoravam ficar com ele, então era uma disputa pelo Breno. Ele disse que o Breno estava vindo", relembra.
"Eu continuei sentada fazendo o trabalho quando o Breno chegou. Ele entrou e estava diferente, ele estava luminoso. Na hora eu assustei, falei 'nossa, Breno, como você está bonito, que bacana você ter ido andar de bicicleta sozinho, é tão legal'. A pessoa que anda sozinha é alguém que gosta de si mesmo, falei que era legal estar com os outros só por opção e não por necessidade. Aí ele me olhou, deu uma risada, tipo 'ai essas conversas de velho'. Ele veio e me deu um beijo, mas ele cintilava, talvez por ter acabado de andar de bicicleta, no vigor da idade. Mas eu assustei quando o vi, ele estava diferente”.
A mãe de Leonardo conta que, ao saber que o filho ia sair, pensou em pedir para ele não ir. “Enquanto eles estavam ali, uma menina ligou para o Leonardo chamando para fazer alguma coisa, ele falou que tinha estágio no outro dia, tinha que acordar cedo. Eu ainda pensei em falar para ele deixar para sair na sexta, mas na época eu tinha uma estagiária da idade dele que comentou comigo que o pai dela não deixava ela sair na quinta e era o dia mais legal para sair. Eu lembrei disso que ela tinha me falado e não falei nada”.
Segundo Angela, Leonardo resolveu ir até um bar com os amigos e saiu acompanhado de Breno para garantir preço menor na entrada. “Eles ficaram ali rindo, conversando, brincando e eu acompanhando tudo. Eles saíram para carimbar o braço no Bar 21. Eles foram, mas iam voltar logo. O Breno estava de camisetinha regata e shortinho, uma roupa super velhinha que a mãe dele estava doida para jogar fora, inclusive, mas eles adoravam. Passou um tempo meu marido chegou, ficou bravo porque ele tinha pegado o carro”.
Leonardo tinha acabado de pegar a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) e a mãe relembra que ele estava muito feliz, já que perdeu o documento após causar um acidente sem vítimas. “Tem outra coisa curiosa também, ele tinha perdido a carteira de habilitação porque bateu o carro e estava alcoolizado, não houve vítimas e nada. Mas deixamos ele se virar com aquela situação, nunca fomos atrás, deixamos ele mexer com isso. Ele nunca tinha ido, ele adorava dirigir, mas não deixávamos ele pegar o carro nem para ir na farmácia porque ele estava sem CNH".
"Eu sou muito grata por essa situação, eu gosto de falar para os pais não terem medo de limitar seus filhos, ele pode ficar com raiva, mas passa. Mas a sua consciência está integra, por estar fazendo o que é certo. Meu marido era doido para dar um carro para ele, mas não falava. Acho que meu filho se punia e não ia atrás, já fazia mais de um ano. Na semana anterior ao ocorrido, ele foi atrás e conseguiu tirar a carteira, ele ficou muito feliz”, continua.
Último encontro
Antes de ir para a festa, Leonardo passou no trabalho da mãe. “Eu tinha saído com carro do meu marido e ele me ligou para trocar os carros porque ele gostava da caminhonete porque era de marcha. Ele passou no meu trabalho e naquele dia eu assustei com ele, estava com a mesma luminosidade. Eu estava conversando com minhas amigas no refeitório e ele estava encostado na porta. Eu assustei, ele estava muito bonito. Naquele dia, inclusive, eu falei para a estagiária que eu estava sentindo uma dor forte no estômago. Depois no velório ela até lembrou disso. Como eles não eram meninos de noitada, eles eram um grupo de cinco, seis meninos desde os sete anos. Então eles gostavam de ficar um na casa dos outros, era comum eles combinarem de ir em festa e não ir, passavam na casa de amigos e por ali ficavam entretidos”.
Notícia do desaparecimento
Conforme Angela, após sair para carimbar o braço, Leonardo não atendeu mais o telefone. “Naquele dia saíram apenas para carimbar o braço, mas meu marido achou ruim porque queria que ele tivesse ligado para pedir o carro emprestado. Daí meu marido começou a ligar para ele, mas ele não atendia. Ele falou que ia dar uma bronca nele no outro dia, porque era comum ele dormir na casa do Breno, do Paulinho meu sobrinho. O Breno foi de carona com Leonardo. Ligamos bastante e ele não atendia, daí o Paulo ficou bravo, mas fomos dormir. Quando deu 1h48 eu recebi uma ligação do policial perguntando do carro, falei que o carro estava com meu filho. Nisso, o policial perguntou se ele estava indo para Corumbá, falei que não. Aí ele disse que o carro foi encontrado, é uma coisa muito estranha, parece que, de repente, você entra no filme de Matrix, que é sugado da sua vida e colocado em outra realidade. Eu liguei para a casa do Breno, pensei que o carro tinha sido roubado e ele estava com medo de contar para o pai e foi dormir na casa de alguém para pensar no que fazer. Liguei no Breno, na minha irmã e ele não estava lá. Chamamos os pais do Breno e fomos para a delegacia”.
Delegacia
“Quando cheguei, tinha um policial lendo jornal, que não me olhava e continuava folheando o jornal, fazendo perguntas se meu filho sumia sempre. Ele falou que enquanto não dava 24 horas, não iniciava buscas. Eu falei 'moço, queria que me desse atenção, estou aqui a pedido da polícia que encontrou o carro abandonado'. Daí ele assustou. Fomos atendidos, delegado colheu todas informações. Meu marido perguntou para delegado o que achava e ele falou que era tranquilo, não dava nada, que os bandidos amarravam o cara em algum lugar e, quando o carro passava a fronteira, comunicavam e soltavam a vítima. Aí eu disse 'mas eles não passaram a fronteira'. Mas aí continuou falando que eles não machucavam ninguém. Eu fico muito impressionada, gosto muito da realidade, gosto de tudo sem anestesia, mas tem gente que deve gostar, porque o normal era ele falar que cada caso é um caso. Voltamos para casa, mandei mensagem no celular, mas continuamos sem resposta”, disse a mãe.
Enquanto todo mundo procurava, Angela sentiu que o filho havia partido
Angela Fernandes destaca que, ao se deparar com muitas pessoas em sua residência, ‘a ficha caiu’ e a mãe já sabia que não veria mais o filho com vida. “Quando levantei de manhã, olhei celular e já tinham colocado fotos deles na internet. Virou um grande movimento, eu acho que até por questão de ficar anestesiada, falei que ia para faculdade, nisso ligou amiga minha que viu na internet e estava chorando, mas falei que estava tudo bem porque eles seriam encontrados. Passou dez minutos ela estava em casa, acho que as pessoas tinham mais sensação da realidade que eu. Foi chegando gente na minha casa, ai me deu algo assim ‘Já foi, eu senti que já tinha ido’. Fiquei muito abalada”.
Notícia de Falecimento
Às 15 horas, Angela recebeu a informação de que a polícia tinha localizado o corpo de Breno e Leonardo. “Daí veio notícia que encontraram os corpos, foi algo horrível porque todo mundo tinha muita esperança. Em instantes, todo mundo começou a gritar, eu me acalmei porque veio a certeza do que eu já sentia. É algo descomunal, tínhamos relação muito boa”.
Com lágrimas nos olhos, a mãe relembra que Leonardo era uma criança danada. “Ele era menino que deu muito trabalho, ele não era um santo, deu muito trabalho, respondia a professora, tinha dia que não fazia tarefa, mas nunca passamos a mão na cabeça dele, uma única vez que eu não dei razão para escola foi quando ele foi mais votado para ser orador da turma na 9° série e a diretora decidiu que ele não ia ser porque já foi suspenso uma vez. Mas ela disse que a escola era dela e fazia o que queria. De resto nunca dei razão", conta, por fim.