Duas irmãs, de 6 e 7 anos, em um impulso infantil, vão mexer onde não devem e, claro, dá ruim. Muito ruim.
Com um primeiro capítulo de tirar o fôlego, Torto Arado desperta a curiosidade logo nas primeiras páginas e entrega tudo o que prometeu. É avassalador.
Antes de discutir sobre Brasil, colonização, violência doméstica, papeis de gênero (tem tudo isso no pacote), Itamar Vieira Junior entrega arte.
Um texto bem escrito, sem pontas soltas e com recursos narrativos que te fazem imergir nas tradições, na cultura e na religião das famílias retratadas na história.
Narrado a partir do ponto de vista de duas irmãs no sertão baiano, o livro registra um pouquinho do que já ouvi das minhas avós.
Uma branca e outra negra, nenhuma escapou da pobreza, dos brinquedos com sabugo de milho e do trabalho na roça.
Bibiana e Belonísia representam mulheres negras de todo país, escravizadas e silenciadas mesmo depois da abolição, um passado mais que presente em todo o país.
O uso do fantástico para mostrar a religião africana é brilhante, como um sonho sobre encantados. Mas sinto tristeza pela marginalização de uma fé que, mesmo diferente da minha, é tão importante.
A confiança nos encantados é o alicerce daquela comunidade e o desrespeito às divindades africanas é também a mutilação de um povo que foi tirado de sua terra para ser escravizado em um país distante.
Torto Arado continua com reflexões cada vez mais complexas, sobre a permanência da escravidão no Brasil, que fez uma lei libertando os cativos, mas os abandonou à própria sorte. Sobre as lutas de classe. Sobre as disputas pelo poder. Sobre resistência e sobre encontrar um lugar no mundo.
Não é à toa que já é considerado um clássico moderno. São tantas discussões que fica difícil resumir e dão horas de debate, que já ocorrem em universidades públicas e rodas intelectuais por todo o país.
Em tempo, li Torto Arado para o clube de leitura Cansada, Porém Leitora. A obra está nas indicações do presidente Lula (PT) e recebeu os prêmios Jabuti e Oceanos, ambos em 2020.
Sugestões de leituras e temas para a coluna: @dihchristie