Tomar a decisão de deixar a família, sua terra e suas origens, em busca de uma oportunidade melhor, porém incerta não é uma escolha fácil de se fazer. A crise política, social e econômica que a Venezuela enfrenta neste momento fez com que inúmeros venezuelanos abandonassem seus lares e migrassem para países vizinhos carregando na mala apenas a esperança de dias melhores.
Assim foi com Juan Carlos Rincones Arcas, Jesus Zacarias Malavé Parejo, Ezequiel David Aleman Parica e Alberto José Blanco Hernandez, que atravessaram a fronteira da Venezuela com o Brasil esperando encontrar uma condição melhor e poder ajudar a família que ficou.
“A vida na Venezuela era muito boa, mas a situação foi agravando e eu tive que sair do meu país pelos meus filhos e por causa de toda essa tensão política, sentimental, social e econômica”, conta Juan Carlos, que deixou para trás esposa e quatro filho há seis meses, juntamente com Jesus Zacarias, seu amigo de infância, que também deixou esposa, cinco filhos e quatro netos.
Músicos por formação, decidiram migrar da Venezuela depois de constatarem que para se alimentarem com o básico precisariam de quatro empregos diferentes. “Tínhamos restrição de comida porque tudo lá é muito caro, principalmente comida e remédios”, explicam.
Os dois saíram do país vizinho carregando algumas coisas que pudessem vender durante a viagem, como café, por exemplo, para custear todo o trajeto. “Viemos de ônibus viajando durante três dias. Eu sai de Sucre para El Tigre e depois para Bolívar e então para Santa Helena, onde dormimos na fronteira, no chão mesmo”, conta Jesus Zacarias, que completa “fomos até uma aldeia indígena onde nos deram comida e ai ficamos aguardando cerca de dois dias para recebermos a autorização para entrarmos no Brasil.”
Por aqui encontraram uma situação bem diferente do que imaginavam. “Não pensávamos que encontraríamos tantos venezuelanos no Brasil. Não foi de maneira nenhuma o que eu imaginava que seria”, relata Jesus Zacarias, que explica “eu até entendo a reação de alguns brasileiros, deve ser assustador olhar seu país ou sua cidade principalmente, tomada por estrangeiros.”
Os dois entraram no Brasil por Boa Vista, Roraima, e foram direto para um abrigo público na cidade. “Dormíamos no chão e estávamos sempre em alerta porque tinham vários tipos de venezuelanos por lá: os de boa intenção e os de não boas intenções”, contaram eles.
Em Boa Vista saiam todos os dias tocando pelas ruas em busca de juntar algum dinheiro para se alimentarem. Nessas saídas encontravam de tudo um pouco, inclusive intolerância.
Jesus Zacarias teve seu trompete quebrado por um brasileiro que não queria venezuelanos na sua terra. “O Juan tentou conversar com o homem e explicar que só estávamos trabalhando, mas não teve acordo, o rapaz foi muito agressivo, pegou meu trompete e jogou no chão enquanto dizia palavras que eu não entendia”, conta ele.
A Fraternidade sem Fronteiras apareceu na vida dos dois amigos três semanas depois que eles chegaram a Boa Vista. Em uma das visitas ao abrigo, Alba Gonzalez, venezuelana e coordenadora do Centro de Acolhimento da FSF, encontrou com os dois e os tirou de lá. “A Alba foi até o refugio que eu estava, viu que eu era músico, me pediu para tocar Venezuela, eu toquei e ela se emocionou. Me lembro bem. E então ela disse: você vai comigo para o nosso Centro de Acolhimento e lá você poderá participar de atividades culturais e ter uma vida com mais qualidade. Falei com o Juan e ele topou na hora”, contou Jesus Zacarias.
Assim, os dois esperaram mais duas semanas até o Centro de Acolhimento ficar pronto e só então puderam se instalar e começar uma nova fase da vida aqui no Brasil. Por lá, davam aula de música a quem quisesse aprender, como uma forma de manter a cultura viva.
“A Fraternidade sem Fronteiras representa pra mim um novo começo, uma porta para melhores coisas, para um novo amanhã”, comentou Juan Carlos.
Foi no Centro de Acolhimento que conheceram o presidente da Fraternidade sem Fronteiras e aceitaram o convite dele para virem morar em Campo Grande (MS) cidade sede da ONG. “Vim para Campo Grande em primeiro lugar para me sentir em paz. Tenho muita fé que as coisas vão acontecer, tudo no devido tempo de Deus”, disse Juan Carlos.
Roraima também foi o ponto de chegada para Ezequiel e Alberto. Ezequiel saiu da Venezuela juntamente com seu padrasto porque lá não conseguiam mais arrumar nenhum trabalho. “Chegou um momento que começamos a trabalhar em troca de comida, porque se trabalhássemos por dinheiro, não conseguiríamos comprar nem um saco de arroz”, conta ele.
“Eu quero trazer minha família, quero trabalhar aqui e mandar dinheiro pro meu padrasto trazer minha mãe e minhas irmãs para o Brasil, já que ele ainda está em Roraima, que é bem mais perto da Venezuela”, desabafou.
Alberto deixou pai, sobrinhos e irmãos na Venezuela, onde fazia parte da Orquestra Sinfônica Del Tigre, sua cidade. Chegou a Roraima depois de caminhar 200km a pé. “Quando cheguei ao Brasil, fiquei no refúgio público, e está sendo muito difícil ficar longe de quem eu amo”, contou ele, que acrescentou “quero voltar a Venezuela apenas para buscar a minha família”
HOJE
Os quatro venezuelanos aceitaram o convite da Fraternidade sem Fronteiras e embarcaram para tentar a vida em Campo Grande – MS. Aqui, estão tirando documentos, arrumando a casa que dividem e conhecendo muitos brasileiros solidários e solícitos. “A Fraternidade representa vida, amor, paz e dignidade. Agradeço sempre por todo o apoio”, falou Alberto.