Quando descobriu a gravidez, Marcela Albres comemorou muito. Com o esposo Renato Machinsky a alegria teve que ser transformada em fé quando souberam, durante um exame que Felipe, o nome escolhido para o primeiro filho do casal, tinha uma cardiopatia congênita grave. Felipe tinha “meio coração”. Mas que coração imenso, ele teve.
O menino viveu apenas 31 dias, porém, a fé e amor de Marcela gerou uma grande lição que serve de reflexão para um 2018 melhor. O pequeno mobilizou um chá de fraldas beneficente, uma grande turma de doadores de sangue, e uniu Campo Grande e São Paulo em oração, já que devido a cardiopatia, a cesariana foi feita no Hospital da Beneficência Portuguesa, especializado em cirurgias cardíacas.
Além disso, ele também deixou lições de que o tempo é agora, que não é preciso ficar esperando para amar. Quem conta é a mãe do bebê, que dos 12 meses de 2017, passou nove deles com Felipe dentro de si e mais um com ele entre tubos e fios de uma UTI Neonatal.
“Uma das grandes lições que 2017 me deixou foi ser paciente. Dos 12 meses do ano, 9 passei esperando para conhecer o rostinho do meu filho. Na gestação, as mulheres aprendem a contar o tempo em semanas. Depois que Felipe nasceu, a contagem passou a ser em dias. Cada dia na UTI era um ciclo importante para os médicos avaliarem a evolução do quadro dele. Lá, enquanto ficava ao lado do meu menino velando seu sono profundo provocado pelas medicações, as horas demoravam a passar e também me ensinavam a esperar o tempo do Felipe melhorar”, contou ela em um emocionante texto que seria seu presente de natal para os amigos.
Para a mãe, o menino tão frágil mas tão guerreiro, deixou a lição de viver o presente. E ela que sempre foi tão metódica, se viu compartilhando uma experiência dolorosa, mas necessária. “Isso me ensinou a viver o presente. Muitas pessoas devem ser como eu era: ficam lembrando o passado, refletindo sobre o que lhes aconteceu, deixaram de fazer ou fariam diferente se tivessem oportunidade de mudar tudo. Eu também pensava muito no futuro, fazia planos a longo prazo e nunca agia por impulso. Esse comportamento faz parte da minha natureza metódica, organizada e racional, mas que hoje estou me esforçando para deixar para trás. Não viver um dia de cada vez me custou um preço muito alto”, assumiu.
“Por causa da cardiopatia complexa, assim que o Felipe nasceu foi levado para a UTI. Na hora do parto, só pude vê-lo de longe, não era possível segurar meu bebê e colocá-lo no meu peito. Como estava me recuperando da sedação da cesárea, só pude vê-lo novamente e segurá-lo no colo pela primeira vez no dia seguinte ao nascimento. Uma enfermeira me levou até ele de cadeira de rodas. Pedi para colocarem o Felipe em meus braços e consegui ficar com ele no colo durante 2 horas. Ele estava enrolado em um cobertor e já tinha um monte de fios ligado ao seu corpinho. Com medo de passar qualquer bactéria que pudesse causar uma infecção ao meu filho que já tinha a saúde tão comprometida, tive medo de segurar sua mãozinha, fazer carinho na sua cabecinha e beijá-lo sequer passou pela minha cabeça, embora fosse o meu maior desejo. Acariciei meu filho por cima do cobertor. Na hora isso não me deixou triste. Conseguia sentir o calor do seu corpinho e era a mulher mais feliz do mundo por ter meu filho nos braços, ver como Deus havia me presenteado com um menino tão lindo e pensava como Renato e eu podíamos colocar no mundo um bebê tão perfeito”, narrou com emoção que as mães sabem.
Dor e amor se fundiram
Ela conta que suportou a dor da cesariana, para ficar perto do filho, mas o medo a impediu de ser mais efusiv com aquele bebê tão esperado. “No dia seguinte, tudo se repetiu. Suportei a dor da cesárea e fiquei mais 2 horas com Felipe no colo, novamente sem tocá-lo, pensando que depois que ele estivesse bem poderia ninar, colocá-lo no peito e quem sabe até amamentá-lo. Foi um momento mágico, mas incompleto. No terceiro dia de vida, Felipe fez a cirurgia cardíaca e voltou ligado a duas máquinas imensas com o dobro de fios, cheio de drenos, acessos venosos e segurá-lo no colo era impossível. Só para trocar o lençol do bercinho precisava de três enfermeiras para erguer seu corpinho".
"Um dia a enfermeira estava fazendo a higiene dele e me perguntou se não queria passar hidratante na sua pele ressecada pelo inchaço da cirurgia e aquecimento do berço. Foi a primeira vez que peguei nas mãozinhas e nos pezinhos do meu menino, depois de passar muito álcool em gel nas mãos. Chorei de emoção naquele dia. Meu Deus! Como ele é perfeito, pensei comigo. Os dias foram passando e aos poucos fui me permitindo tocar meu bebê. Primeiro passava só a ponta dos dedos na sua cabecinha. Depois, fui ficando mais segura e já acariciava seus cabelos com as mãos e colocava o meu dedo indicador na mãozinha dele para ele segurar", continuou narrando sobre seus momentos que muitas mães enfrentam.
Sem lamentar, mas deixando claro que o tempo é curto, Marcela mostrou a importância de umn simples beijo. "Mas o beijo tão esperado só foi dado quando percebi que meu filho estava morrendo. Um dia antes dele partir, cheguei ao hospital para me despedir dele. Beijei sua cabecinha demoradamente, em meio a muitas lágrimas. Não foi um beijo qualquer. Enquanto meus lábios encostavam nos cabelos do meu filho, pedia a Deus que aquele amor fosse capaz de acompanhar o Felipe por toda a eternidade e que ele pudesse sentir para sempre o meu amor. Levei 30 dias para ter coragem de beijar meu filho. Ele viveu 31 dias. Se soubesse que meu tempo com ele passaria tão rápido teria enchido meu menino de beijos e afagos. Teria o segurado no colo, logo nos primeiros dias de vida, até meus braços formigarem. Para mim, não dá mais tempo. Mas para você, ainda é possível abraçar e beijar seu filho, seu marido, seus pais ou quem quer que seja. Não espere o amanhã! Não economize no amor!”.
E Marcela, ao compartilhar o amor e a dor, mostrou que Felipe viveu tão pouco, mas ao mesmo tempo deixou tanta intensidade.