Ao completar 10 anos em 2023, o bloco Língua Preta tem um importante propósito firmado com seus foliões: celebrar a vida e a alegria de viver com todos os blocos, em todos os carnavais, até o último confete, ano após ano, em Campo Grande.

Este é o recado de do engenheiro civil e ambiental Tom Oliveira, um dos fundadores do grupo. Após ter sobrevivido a um câncer no cérebro em 2012, ele teve que recuperar a memória e revisitar os recônditos de suas lembranças para que pudesse, ali, naqueles cantinhos escondidos, resgatar sua memoriaria em termos de amizades, o que não foi fácil. 

Assim, a vontade de viver de Tom foi mais forte do que a notícia que os médicos deram a ele, de que tinha apenas 4% de chances de ter uma vida plena e saudável, contra 96% de possibilidade de hemiplegia (paralisação de uma metade do corpo), e aqui está ele: firme, forte, muito vivo e celebrando a vida através dos anos pelos carnavais! 

Após encarar a morte de frente e conseguir voltar, o engenheiro teve perda de memória e decidiu que precisava viver, ao invés de apenas existir. Como uma das coisas que mais gostava era o carnaval, veio daí a sugestão para a criação do bloco, por meio de Silvana Valu, do Cordão Valu.

"Eu comecei a frequentar os ensaios do Cordão Valu, e a Silvana Soube da minha história e ela falou 'por que é que vocês não criam um bloco? E na outra semana, a gente não levou a sério, e ela cobrou novamente: 'Cadê o bloco de vocês?' Daí a gente se ligou e resolveu fazer, criar o estandarte, e tem toda a ideia da criação do bloco. Quem fundou fomos eu, duas amigas professoras, e mais um amigo jornalista", relembra. 

Os 'Língua Preta'

De início, houve dúvida e falta de ideias sobre o nome, até que uma senhorinha brincou com ele, dizendo que ele e uma amiga fofocavam demais sobre a vida alheia. "Um dia a gente estava conversando, e chegou uma senhora idosa, e falou 'e aí, vocês estão falando mal de quem?' A gente falou 'de ninguém, a gente tá conversando, só, não precisa falar mal dos outros'", conta. 

À resposta dos jovens, a idosa respondeu que eles tinham mesmo que "falar mal dos outros, tem que ser língua preta, mesmo, porque todo mundo fala da gente, mesmo que a gente não fale", relata Tom. Com isso, outros frequentadores da academia ouviram a conversa e começaram a apelidar Tom e sua amiga de "língua preta". 

"Aí o pessoal da academia ouviu e começou a apelidar a gente de língua preta. Não podiam ver a gente conversar, que começavam a falar 'olhe lá os lingua preta'. Por isso foi escolhido esse nome", relembra. 

Gente do bem

Sobre a proposta do bloco, ele explica que a ideia é conhecer gente boa. "Esse é o sentido do bloco: conhecer gente do bem! E nada como momentos de alegria para conhecer pessoas boas."

O engenheiro não tinha o hábito de comemorar o carnaval aqui, antes da cirurgia, mas sempre ia para o Rio de Janeiro nessa época, então tinha certa vivência com a folia. "Eu ia para o Rio de Janeiro, para a casa de familiares, mas não era doido por carnaval como sou hoje. A minha inspiração são os blocos carnavalescos do Rio de Janeiro e temos também um pouco de inspiração no axé baiano." 

Além do câncer no cérebro, ele também teve uma forte pneumonia e, asmático, foi uma das primeiras vítimas da covid-19, chegando a ficar com 70% do pulmão comprometido por causa da doença. Levando isso em consideração, para Tom, o carnaval será uma oportunidade de celebrar a vida. 

"Vamos aproveitar para ser feliz, que o carnaval está aí, onde você encontra uma alegria gratuita. Tem que pular, tem que comemorar porque a vida é única e se Deus tá dando essa chance para estarmos vivos, nós temos que comemorar mesmo, agradecer!"

O Língua Preta sai sempre com outros blocos no carnaval (Reprodução Facebook)